domingo, 29 de janeiro de 2012


AROMA  BUCÓLICO

Não devia acabar aquela tarde
O beijo do sol, a grama e o lago
O azul com verde e o pé descalço
E no fim da tua mão aquele afago

Não devia derreter aquele sorvete
Que apagava o incêndio das bocas
Escorria, adoçando o sal da pele
De uma tarde ímpar como poucas

Não devia findar a harmonia do canto
Dos pássaros invisíveis nas copas
De uma paz que não me lembro quando
Se fará outra vez tão cor-de-rosa

Não devia correr aquela sombra
Deslizando pelas mãos do tempo
Recolhendo as pipas e os abraços
Nos deixando a sede do momento

Talvez a tarde de hoje não venha
Com tantos prendas e aromas bucólicos
Como a de ontem mostrou com resenha
De que a paz e o amor não são sólidos.

sábado, 28 de janeiro de 2012


POEMA DE CINCO FACES

Café quente na garrafa, no peito
Fumaça alva que sai do preto
Calo na mão roçando o copo
Na chegada do leite, o dueto

O carro escondido no meio do mato
Pode ter um significado vasto
Mas algo me cheira o anúncio
Do que foi, já não é mais casto

Os lixeiros cantam suas rimas
Ao jogar dos sacos que vão
Quando não, fazem maratonas
Perseguem afoitos, o caminhão

Quando o dia cai muito tarde
Logo cedo aflora o inverno
Soprando arrepios e folhas
Aquecendo o lado fraterno

Quando falam que sou ‘de lua’
Das estrelas do céu aberto
Quem lhes dirá o contrário?
Somente um maluco, decerto

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


ECO HOSTEL

Do meu corpo em repouso na cadeira grande,
pela manhã, minha mente girava curiosa,
do destino verso ou prosa das palavras de um grego,
despejadas a granel, no infinito branco do papel.
Ele escrevia por horas, a caneta dançava à Ravel.

Da sacada minúscula do hostel, o Rio de Janeiro, 
era insignificante fração, da beleza tanta, do inteiro.
Meus olhos só viam lá em baixo a pressa de quem nunca olha pra cima,
da rua São Clemente que rima, com meu coração dormente, que lastima.

Esquecer um amor em Botafogo era fundamental
mas cheirava a fracasso essa ideia tal,
melhor me ater com amigos novos, que não estão a saber mas são curiosos,
dos olhos estranhos entre as beliches, dos idiomas que nem cabem no ouvido,
 dos sotaques, dos ruídos.

Enquanto portenhas discutem seu passeio,
ou o valor do peso e do banheiro sem asseio,
permanecia meu corpo entre elas alheio,
minha mente sequer tinha ido ao Rio de Janeiro.

Uma belo-horizontina, como só elas quebram barreiras,
pegou minha atenção com todo seu jeito mineiro,
me contou de Roma, me traçou roteiros...
tínhamos sacada e cerveja e, próximo a nós, entre folhas sobre a mesa,
o grego escorria sua odisseia na ponta da caneta.

domingo, 22 de janeiro de 2012

ARTE  D’ÁGUA

A água sob a ponte, escutando sonatas
Corre tranqüila, corre sem pressa
Escorre depressa enquanto se arrasta
É o ritmo das águas...

Não se apressam nem esperam
Estas silenciosas águas

As que despencam das encostas
E em altos tons se mostram
Parecem-se com os véus das noivas
São alvas e são charmosas

São as águas...

São as que lavam nossas mãos calejadas
São as que tiram nosso sono se geladas
São as claras, são as vivas, são aquelas
Que o artista utiliza em sua aquarela

Água do meu mar aberto
Descoberto...por meio das águas
Descubro que tua briga com as rochas
É antiga e salgada história de mágoas

terça-feira, 10 de janeiro de 2012


COLO  NOTURNO

Se eu me perder no anoitecer da tua pele
Será melhor eu achar o caminho de volta?
Se eu fizer o que acho que é certo
Recupero as páginas da minha história?

Se eu acordar na madrugada dos teus olhos
Seus braços irão me conduzir de volta?
Ao meu sono diário e diurno
Ao meu conforto inseguro?

Se eu me encontrar no teu colo noturno
Permitirá que eu fique mais um pouco?
A desvendar os caminhos ainda obscuros,
Coletando esperanças que preencham o oco?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012


EPÍLOGO

Teu coração é teu.
Levo-o a contragosto e em tão pouco tempo
já é pesado demais pra mim, nestas mão
que sinto sujas e bandidas.
Quero deixar o que não me pertence
mas já se misturou ao meu. Mas certas coisas,
nunca mais se separam.
A complexidade dos pensamentos
se torna imensa e as decisões explodem
em fragmentos no ar carregado, no dia cinza.
Algumas lágrimas banham nosso epílogo e isso acaba comigo.
Esse silêncio amargo. Se te deixar é repetir um erro ainda não sei,
ainda queimo em dúvidas sobre futuro, prazer, harmonia e respeito.
Ainda duvido do pecado e disparo flechas a esmo.
Falamos sobre afinidades... Te quero por fração,
a parte que me convém, e te dou igual pedaço,
às vezes usado, e não me sinto bem.
Meu reflexo é meio canalha, mas daqueles sem culpa.
Ando atormentado pela multiplicação do que quero,
ando assustadíssimo por minha gula mas,
de tudo e todas, ainda me baste uma.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A MANHÃ DOS BOÊMIOS ROUCOS

Impertinente sol neste ambiente dia
A levantar nossas pálpebras pesadas
Todos pesando algumas toneladas
Nos colchões espalhados pelo chão
Essas vidas cuspidas pela noite
Diretamente para a manhã estranha
Nessa tamanha lama depois da alucinação
Todos loucos, dizendo “bom dia”, roucos
Encenam sorrir sua cara amassada
E tentam segurar pra não rir do nada
São poetas tristes em felicidade plena
Dançando na manhã cheia de preguiça
Eles são notícia nos rótulos mais coloridos
Eles são bonitos, são poetas , loucos e roucos
São seus poucos, o que restou do último gole
Sabem que cantar aquece a alma e a garganta
Inundando o corpo de esperança tanta
Que já não cabe mais na velha estrada
É preciso pegar a corda que arrasta ao leste
Às serenatas próximas aos versos rubros
É preciso declamar, é preciso chorar
É preciso entardecer pra pescar a noite
A noite dos desesperados e dos solitários
Que ambienta a saga dos incompreendidos
E antecede a manhã amarga dos roucos
Poetas loucos e felizes pelos motivos poucos