domingo, 26 de agosto de 2012


PELAS NOITES ESCURAS DE JACAREÍ
(Ao amigo Cleber Willian)

Você, caríssimo conterrâneo, poderia estar matutando
num daqueles becos escuros de Nova York, sem saída,
rodeado por escadas de incêndio, caçambas de lixo e
poças d’água.
Como revérbero, a lua.
Você poderia estar lá, sentado como num escritório particular e público,
em frente a uma máquina de escrever do século passado,
olhando a fumaça do seu cigarro subir por entre as gotas da chuva fina.
Um paletó surrado e uma garrafa de Jack Daniel’s,
gatos sarnentos na espreita, observando a ébria inspiração.
Seria cinematográfico. Não seria, Sr. Willian?

Mas o seu beco escuro está aqui em Jacareí,
em qualquer canto da cidade,
dentro de algum quarto meio iluminado talvez mas,
você deve pairar no ambiente com a mesma expressão reflexiva,
rodeado da mesma fumaça de cigarro, a debater com sua rebordosa,
questões de repertório, o sexo, a vida e a alma. Como será o próximo ‘curta’?
Em longas tragadas o amigo pensa, eu sei. Long Beach? Talvez.
O teu talento germina por aqui, sem a chuva ácida da ‘Grande Maçã’,
sem o agrotóxico capitalista, entende? Tua poesia está por aí,
pelas noites escuras de Jacareí.

Mas digo ao amigo Cleber Willian que sua reunião
de palavras foi saboreada ao som de Tom Waits
ao qual achei apropriado, foi na medida do possível compreendida,
ou não, mas pra que compreensão?
Somos o que somos e você é singularmente o contista,
autobiográfico, cínico, calmamente desesperado,
bêbado e lúcido.
Boa sorte!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012


SOPRO  AO  MÁRMORE 

O soçobro se deu lá no fim da escada
Do sopro que empurrou das mãos,
O último beijo, o último gesto,
O último suspiro anunciando o fim

E parece que fiquei por alguns meses
À decorar o corrimão, tal imóvel estátua
Uma figura de mármore, gelada e pálida
Sim, fiquei ali por um bom tempo

O esboço do adeus se deu na fachada
Uma hora antes haviam morrido as palavras
E escorreu o medo pelas menores frestas
E se fez geada em pleno dezembro

O sopro se misturou ao ágil vento
Que correu mundo afora, sem retorno
Respiro apenas ares de doce veneno
Que me rodeiam na varanda abandonada

Nem a roseira se compadeceu
Se curvou até mim, num outro adeus

sábado, 4 de agosto de 2012


A COR E O GOSTO DO MEU TEMPO

O futuro é um árvore
Em formato de interrogação
Sem época para dar frutos
De uma vida certa ou não

O presente é uma mesa posta
Farta ou magra de realização
E tudo o que ali me olha
Diz que existe em minha função

O passado é um saco de adubo
Que levo, abro e sujo minha mão
Com ela aro cada vez mais fundo
É meu dever de casa, minha lição

O presente, o passado, o futuro
Vestidos de dias claros e escuros
Já foram e serão páginas brancas
Que a gente tinge e borra de ilusão

sexta-feira, 3 de agosto de 2012


SER FELIZ DE FATO

Existem muitos momentos felizes na vida
mas nenhum deles é comparado
ao êxtase da página do amor,
o amor correspondido,
o amor que é degustado
e aproveitado ao sumo,
ao todo e de tudo.
Este deve ser o grande troféu da vida
e para ganha-lo é preciso perder os limites,
perder a cabeça e o juízo,
se embriagar de incerteza
E pular o precipício, despido de purezas.
São só regras do início.
È ser cego e ser surdo,
e assim feliz ao extremo.
A felicidade de amar e ser amado é imensurável,
canteiro ilimitado de poesia,
verso e prosa, berço da arte de primeira grandeza,
é cheiro de rosa, é enxergar com clareza,
mesmo nas trevas,
é viver um ardor que não sossega.
O estado bruto da felicidade é o amor,
receio que tê-lo seja viver e ser feliz de fato.