segunda-feira, 30 de maio de 2011

IN THE END OF THE DAY

Lá no fim do dia
Lá no final da jornada
De algumas horas que não acabam
Seria bom mesmo aquele abraço
Seria bom que aqueles braços
Enxugassem todo o meu cansaço
Lá no fim do dia...

E no final de uma data
Nas últimas horas, as frias
Sei que nunca te será calculável
Quanto analgésico me serias
Se me encostasse aquela boca
A desabrochar um sorriso largo
Indescritivelmente doce
Lá no fim do dia...

Quão suave e aromatizante
É o passar leve e descalço
Daquela que me espera
Lá no final do dia
Com as mãos aveludadas
Que de prazer me arrepiam
Entorpecem, enfeitiçam
Devolvem a vida que já não havia
Lá no fim do dia

terça-feira, 24 de maio de 2011

FICA  FEITO  MONALISA

Fica comigo esta noite
È verão e ninguém no bairro está com sono
Todos assistem TV ou assistem janela
Ouve a sinfonia dos insetos?
Parece que cantam seus afetos
Falando nisso, antes que eu me esqueça
É freqüente mas, hoje, você está tão linda...
Veja que a lua banha o teu ombro
E o movimento deles é tão meigo
Que tua boca seja da minha o eterno leito
Fica do jeito que está
Beba de algo que te refresque
Beba dos meus sonhos, minha alma
Faça nada, apenas seja, assim me acalma
Guarda essa feição por uns instantes
Pra que eu guarde na memória esse semblante
Teu meio sorriso à meia luz se imortaliza
Fica sereno, fica feito Monalisa
Não, não diga nada por enquanto
Só fica comigo esta noite
Se aninhe onde quiser e se puder
Que seja onde escute meu coração
Assim vai ouvir batidas lindas por você
Olha, tenho toalha, travesseiro e espelho
Na alvorada, quando o sol vier competir contigo
Tem uma escova nova na velha cômoda
E não se incomode em fazer barulho
Serão ao todo leves sussurros
Mas por hoje fique comigo
À meia-voz, à meia-luz, a meia-noite, fica
Teu meio sorriso até parece Monalisa.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

PASSEIA  TEUS  PÉS

Passeia teus pés na grama molhada
Os pés descalços
Libertos de calçados e rumos rápidos
Passeia...
Passeia tua dança na terra
Entrega teus passos
Aos ares sem compromisso
Não leia os avisos
De que é proibido passear na grama...
Desencana,
Passeia apenas
Ao som inaudível que te chama
Os pés leves e desavisados
Os pés que já não sentem calos
Os pés que giram
E as vezes são alados...
Passeia tua infância
De salto em salto no tapete escuro
No verde enxuto, de preocupações
Passeia...
Vagueia teus pés, passeia
Banhe-se de sol ameno, morno,
Brinque com os raios tímidos
Que quase não chegam no teu corpo
Clareia...
A vizinhança, amanhecida fria
Parte do teu palco,
Que demais clareia, semeia,
Alegria viva e demais alheia
A correr entre os teus pés
Que sem cessar passeiam...

sábado, 14 de maio de 2011


CÉLULAS SONORAS  (A MÚSICA)

A música mora em mim, aqui,
ali, em cada vão de carne.
A música ecoa nos meus pulmões,
retine, pega a auto estrada das grandes veias,
se define, se nomeia, se lambuza e me recheia.
A música toca meu coração como Midas
e com veludo nas mãos me investigas.
A música passa horas em meu pensamento,
vagabundeando em compasso lento.
Ela cochila atrás dos olhos, existe atrás dos ouvidos.
A música exala de cada um dos meus poros
e expande o aroma de meu espírito sonoro.
Me devora e me sustenta, a música.

A música processa o álcool consumido pelo amor,
pela perda, nos motivos nobres e fúteis,
é minha mão direita, a perna esquerda
me julga e me condena, só as notas me são úteis.
A música destranca minha insensatez,
faz doce da certeza que virou talvez,
alegra-me, leal amiga.
Da parte que me brilha é a única filha.
É a célula morta que se esvaiu a pouco
e nasce em seguida compondo meu canto rouco,
numa só matéria, eu e a música.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

BUONGIORNO E SCUSA

Bom dia!
Muito bom dia!
De mim e de todas as palavras que aqui comigo estão.
As reuni com a intenção de formar as mais belas frases.
Não consegui.
Agora estão todas me rodeando, ociosas e empilhadas,
algumas espalhadas.
Escolhi algumas bem formosas, outras bem sonoras,
mas não entraram num acordo nem ao menos para a prosa
Não podia envia-las em discórdia. À você não.
Estou adiando meu texto de amor
e pedindo daqui por favor
Me desculpa, me desculpa.
Pensei arrumar bons casamentos
entre algumas simples palavras
Mal vestidas de afeto, mal acabadas,
tudo para o ritual da arte,
mas vi grande parte em divórcio pela trivialidade.
Não as envio em harmonia tão torta
Não à você.
Então fico lhe devendo as palavras belas,
polidas, casadas, de lapela.
Aceita meu bom dia,
realmente estou desprovido de argumentos,
nenhuma frase me ocorre, nenhum tento,
daqueles que sua silhueta exige, então,
aceita meus matutinos cumprimentos,
Meu bom dia...
Meu muito bom dia!

terça-feira, 10 de maio de 2011


LEDO  AMIGO

Não vou questionar sua ausência
Não vou discutir sua presença
Nem me importar com tua aparência
Nem tua essência é pra mim despercebida

Quantas dúvidas estão contidas
Inabaláveis em nossos temas
Dilemas inversos e tensos
Nos nossos poemas e telefonemas

E apesar de ser incerto nosso epílogo
Você não deixa de ser um ledo amigo
Devolve à palavra o teu puro sentido

Quantas vezes uma montanha deve ruir
Para lembrarmos a importância disso?
Quantas vezes o inverno deve queimar
Para não deixarmos nosso ombro omisso?

Nosso caminho é singular e único
É bem verdade e devo dizer preciso
Teremos dias de alegria e outros de olhos úmidos
Atenuados pela presença sua, ledo amigo


domingo, 8 de maio de 2011

ALMOÇO  DE  MÃE

E minha mãe, que não mora comigo
De repente me liga me chamando pro almoço
Eu não moro com ela então aceito
Já não moro nela a tantos anos

Hoje eu moro longe do seu cheiro
E moro longe também do seu jeito
E é com muito jeito que ela me liga
Me chama e convence a vir pro almoço

Eu que desde que cortaram o cordão do ventre
Nunca mais morei tranqüilo
Às vezes fico até mais apertado
Eu que não queria nem ter vizinho
Corto o pensamento e peço licença à genitora
- Como vão as coisas? Que cheiro de vida boa...


sábado, 7 de maio de 2011


MARCA DE LÁBIOS

Uma borboleta pousou em minha xícara
Em sua borda suja de café, açúcar
E a marca de minha boca trêmula
Lábios que de beijos se machucam

Era branca a peça de porcelana
Um dia ainda foi virgem louça
Um dia também a maçã foi profana
E desejou os lábios da inocente moça

Em cima da mesa a toalha dormente
Embaixo das cascas duras de pão
Esquecida entre poucos presentes
Entre as manchas que nunca sairão

Nas minhas costas uma colcha de retalhos
De sentimentos fartos e marcas de batom
Meu sangue ainda percorre atalhos
Nos dedos falhos que marcam fora do tom

quinta-feira, 5 de maio de 2011


FRASES  TORTAS

Tenho que parar
com a mania de rimar,
como se tudo combinasse,
como se tudo se casasse
e concordasse,
num perfeito relacionamento de palavras,
conto de fadas sobre frases.
Oras, nem tudo se parece
e nem todos se combinam
e por isso não ficaremos tristes,
teremos compreensão
para suprir a desavença das terminações,
das frases tortas, até desconexas.
Sejamos tolerantes
com a imperfeição que existe
da ponta da caneta
até o âmago do poeta,
que às vezes escreve na sombra,
e transfere para o papel
uma beleza pálida...

terça-feira, 3 de maio de 2011

CONVERSA DAS MADEIRAS


Ao me deitar a noite,
na companhia de meu cansaço, ouço vários estalos,
às vezes mais altos que o radinho ao lado da cama
que me conduz ao sono (minha cama de casal tem quilômetros).
Desconfio ser o som das madeiras da estante,
do armário, da cômoda.
Sempre no mesmo horário toca “I Have a Dream”, do ABBA e,
há sempre uma percussão adicional de estalos,
eles me apreendem e olho para minha cama
como para o deserto do Saara, infinito.
E divido minha atenção com a música,
a cantora diz acreditar em anjos mas não endosso.
Há uma pausa nos barulhos da casa.
A próxima canção do rádio não é tão bonita
e se perde no volume baixinho...
Mas os pequenos sons da noite se amplificam pela casa vazia
e dançam valsa com a solidão numa festa invisível mas,
que se faz discretamente audível.
Como pode nesta cidade de quatrocentos quilômetros quadrados,
haver um deserto maior dentro do meu quarto?
Me espera a chegada do sono no ritmo dos estalos,
como um brejo de sapos lenhosos e,
como não há ninguém nesta hora que fale minha língua,
vou escutando a conversa das madeiras.


segunda-feira, 2 de maio de 2011


MUNDO QUE GIRA

Estamos em maio mas por enquanto,
logo o outono como um encanto,
escorrega no tempo, transposto e tanto

Está minha vida num globo que gira
Peão lançado com a força da ira
De alguém que, uns acreditam; conspira

Estou vivo mas não sei até quando
O vento corre enquanto eu ando
E sinto ser algo além de meu comando

(Rico Salles)

domingo, 1 de maio de 2011


LEMBRA DE QUANDO FOMOS FELIZES?

Lembra de quando tínhamos asas?
De quando fomos felizes?
O alto era pouco e não vivíamos de farsas,
só de nuvens, libertos de amarras...
E quando afrouxávamos o riso,
ele se libertava leve e infinito...
Lembra de quando brilhávamos?
Rimávamos com o sol e ele se abria
com a chave do amor, com a mão da seda, a pétala, a flor...
Você se lembra do gosto do gosto do céu?
De como bebíamos chuva, deitados,
e em cada gota um espelho, em cada espelho o reflexo
de um grito de expressão serena, que derramávamos,
transbordávamos, e ríamos...
...à toa, na onda caramelo do horizonte,
ficávamos, nos espreguiçando no retrato da tarde perfeita.
Bebíamos também o tempo
e ébrios que éramos, declamávamos...
...a beleza ao vento.
E a felicidade...
a felicidade nunca que poderia
ser em nossas mentes, apenas o ontem.
Ela se parecia com o sempre
e tinha o perfume dos anjos e das rosas.