quinta-feira, 18 de julho de 2013

PATÊ  DE  SARDINHA

Se você estiver sem sono
como eu no meio do outono,
numa hora bem silenciosa e fria
daquelas que esperam o amanhecer,
levante e faça um patê, um belo patê de sardinha.
Faça alvorada na cozinha abrindo a geladeira
e em sua porta pegue a maionese,
mergulhe uma colher de sopa em extrações generosas.
Ligue o rádio em volume baixo.
No armário deve habitar uma lata
desse peixe popular do qual prefiro
as embalagens simples, e é preciso salsa e cebolinha,
pra completar, azeite extra virgem, imaculado.
Que a mão e o garfo deixem tudo homogêneo,
cor e sabor, e um prato  na pia a ser lambido.
É quase perfeito o enredo
porque a padaria é breve da minha casa,
e o pão da aurora costuma fumegar.
É claro que é obrigatório espalhar na manhã
o aroma do café
e espalhar no corpo seu calor,
na boca sabor, de café,

de paixão e novo dia. 

domingo, 14 de abril de 2013


ADEUS 28

Doída é a separação, principalmente as com raízes.
Anos de convivência que se dissipam.
Tanto entrelaçamento, tanto ‘nós’ entre tantos nós que acabam.
Mas após todo o tempo de contato tão íntimo é hora do adeus.
Não houve dia em que não nos sentimos
e não houve noite em que minha língua morna
não mediu sua superfície lisa, em toda sua extensão.
Após esse longo período é fato que você estava dentro de mim
incrustado de maneira que nunca quis extrair, nunca.
Nossos movimentos constantes e ininterruptos
só me foram fonte de prazer e satisfação, isso não hei de esquecer.
Mas decepções sempre afloram,
e nunca imaginei que você pudesse me causar a dor de agora,
das últimas semanas.
Dor essa de maneira intensa e definitiva que não posso mais permitir,
que se faça mais doer.
Por isso, a partir de hoje não sentirei mais saudades,
apesar do vazio que vai me deixar, gozo do prazer de te dizer adeus
e te jogar no lixo, maldito dente 28, o do siso.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


O BALÉ DAS CORES 

Existe lilás na borda do amanhecer
Existe aliás outras cores a se perfazer
Existe sei lá, intervalo entre a dor e o prazer

Existe vermelho no lábio das rosas
Curvas generosas, estreitos caminhos
Aroma calado em linguagem de prosa

E o amarelo, fruto em queda livre
Das mãos da mãe ao solo, teu colo                  
O ciclo que gira o mundo e teu tudo                

Astro soturno suspenso no negro
Figura entre as linhas do meu desapego
Nas áreas baldias da solitude minha

Eis que no desabrochar de uma alegria
Quando o sol craveja suas espadas brancas
Eu suspiro aliviado as restantes energias

E num sorriso bege eu contemplo o céu azul
Anil, febril, rabiscado de cinza ao meio-dia
Porém vestindo de verde a esperança que já caía 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


A  PALAVRA  LANÇADA

Numa discussão as palavras viram facas
e todos saem cortados, feridos,
com suas almas rasgadas, mutiladas.
Aquelas frases que atravessam a carne.
Aquele som surdo de estilete.
E ‘ai’ de quem fica na frente,
daquelas letras juntadas às pressas,
daquelas mentes que mentem depressa,
ou despejam verdades que matam

Assim são as trocas de ofensas.
Esse equilibrar sobre a escada pensa
em que ninguém vai a lugar nenhum.
Depois vem o amargo da boca seca,
a digestão que de maneira alguma se faz.
Nuvens negras.

Depois, todo silêncio incomoda
pelas horas que se seguem mornas
correndo entre as ruínas e suas almas tortas.
Expressões inquietas e gestos poucos...
Dejetos que não se limpam.

A palavra que é lançada, nos dizendo, apontando
Sem ensaios, adornos ou economias.
Depois nem adianta tentar se aquecer
Nesse ambiente de ruínas frias...

quarta-feira, 31 de outubro de 2012


MARIA JÚLIA

Maria Júlia
Cachinhos amarelos
Sem paralelos
Correndo pelo condomínio

Maria Júlia
Anjo sem fantasia
Faz da poesia
Meu eventual ofício

Maria Júlia
Feita  de caramelo
Correndo sem chinelo
Aumentando meu fascínio

Maria Júlia,
pequena  fagulha
Que caiu do sol
Para bel benefício.

(jul/2008)

terça-feira, 30 de outubro de 2012


ECO  HOSTEL

Do meu corpo em repouso na cadeira grande,
pela manhã, minha mente girava curiosa,
do destino verso ou prosa das palavras de um grego,
despejadas a granel, no infinito branco do papel.
Ele escrevia por horas, a caneta dançava à Ravel.

Da sacada minúscula do hostel, o Rio de Janeiro, 
era insignificante fração, da beleza tanta, do inteiro.
Meus olhos só viam lá em baixo a pressa de quem nunca olha pra cima,
da rua São Clemente que rima, com meu coração dormente, que lastima.

Esquecer um amor em Botafogo era fundamental
mas cheirava a fracasso essa ideia tal,
melhor me ater com amigos novos, que não estão a saber mas são curiosos,
dos olhos estranhos entre as beliches, dos idiomas que nem cabem no ouvido,
 dos sotaques, dos ruídos.

Enquanto portenhas discutem seu passeio,
ou o valor do peso e do banheiro sem asseio,
permanecia meu corpo entre elas alheio,
minha mente sequer tinha ido ao Rio de Janeiro.

Uma belo-horizontina, como só elas quebram barreiras,
pegou minha atenção com todo seu jeito mineiro,
me contou de Roma, me traçou roteiros...
tínhamos sacada e cerveja e, próximo a nós, entre folhas sobre a mesa,
o grego escorria sua odisseia na ponta da caneta.

(Rio de Janeiro - jan/2012)

sábado, 27 de outubro de 2012


ÉBRIO

Tomei um porre esperança estes dias,
e achei graça da vida.
E meus pés não achavam o piso
e já não tinha tamanho o sorriso...
O teor de verde era em demasia,
a cada plano a fantasia
De ser apenas feliz.

Me embriaguei  de sonhos,
no conforto do seu colo,
respirei  fundo ao teu afago,
e quase senti ser  verdade. 
A cidade era pano de fundo
da vontade que eu tinha
De ser apenas feliz.

Fui um homem feliz enquanto ébrio ,
amortecido, pelo éter que exala,
do abismo que cala
o meu coração.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


AOS  IDOSOS

Eu tenho passos contidos que não se apressam
É o máximo que posso dentro de um sacrifício
O meu início? Com muito esforço ainda me lembro
Meu corpo maltratado pelo tempo, pelo ofício

Os anos que se revezam em números nunca interrompem seu trabalho contínuo
A cada temporada percebo que suas pás de metal desconhecido e frio
Cavaram e cavoucaram  e estenderam algumas rugas como ruas paralelas
Ruas como aquelas em que já morri mais um pouco em qualquer fila

Se minha voz fosse um pouco mais alta eu reclamaria
Se meu vulto fosse assim uma figura esguia
Quem se atreveria, quem me desprezaria como hoje
Tolos, multidão de tolos que comprariam por ouro minha experiência
Tenho medo mesmo é da noite, meu algoz, meu açoite
Meu quartinho é pequeno mas eu cuido com zelo

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


ESCADARIA

Ninguém sabe que a escadaria
que leva ao cemitério
também leva à sério os casos de amor...
e seus grandes mistérios.
Ninguém conhece o reencontro
de mãos dadas, exalando pelas escadas
o anúncio de um beijo, os mais íntimos desejos.
Ninguém sabe, mesmo quem mora em Passa Quatro.

Ninguém ouviu o estouro de alegria
que num degrau acontecia, a restaurar-se um tempo,
saudoso tempo.
Um blecaute na cidade, escuridão quiçá em Minas,
fez do céu uma obra-prima
ao convidar milhões de estrelas.
Fez verão em julho quando entrei no seu abraço.

Ninguém suspeita que no fim da escadaria
começa outra história, em que a felicidade é parte obrigatória
e tempera cada palavra, dança com cada frase.
Ninguém imagina que esta cidade dita fria,
só o é para quem não ama,
e não enamora-se na escadaria.

Ninguém reclamaria aquele espaço escarpado
onde estava de lado o que não fosse o recomeço,
o que não fosse a extasia.

sábado, 13 de outubro de 2012


GATUNA

Ela entrou pela janela do banheiro
Sem fazer nenhum barulho
Tal uma serpente no escuro
E ninguém percebeu nada.

Na sala estavam suspensos no ar
Alguns aromas, fumaça e risadas
balançavam copos de whisky
embaralhava-se outra rodada

Ela arrastou-se por atalhos da casa
de mais de vinte e sete cômodos
respirando e pisando feito uma gata
esteve presente sem causar incômodo

Alguns quartos acolheram amantes
E as cozinhas contavam azulejos
A noite não pretendia terminar
E o artista ensaiava um arpejo

Ela levou tudo o que pode
Passando carregada nas sombras
Levou até corações quebrados
Com talento que o dinheiro não compra