sexta-feira, 25 de novembro de 2011


CHEIRO DE CHUVA

Estou só em casa com o calor da primavera,
a meu favor, o gelo da cevada
dentro do entardecer do sábado,
a noite agora é muito jovem em Jacareí,
é jovem no meu sudeste.
Existe uma chuva de possibilidades
que cai junto com a água.
Tantas promessas lá fora mas não são minhas.
 Estou bem, estou no meu canto.
O som que chega aos meus ouvidos no quarto,
entre as gotas da chuva no telhado, é anos 60,
me enfeitiça.
Tenho um caderno amarelado pra rever,
já debutante e com orelhas,
e um fumo achocolatado pra queimar. Estou bem.
A pouco eu tinha um tênis cheio de chão
que joguei de lado, descanso agora,
regata no corpo e na mente um escopo
da mais possível felicidade,
que esculpi de modo bem simples.
O essencial está na conta dos dedos.
Após abrir a porta,
me invade um cheiro de asfalto molhado
que só faz sorrir,
e assim parece que a vida é nova em folha.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


NOITE ACORDADA

Eu estou bêbado de sono
(muito mesmo)
Embriagado pela noite
(toda noite)
Mastigado pela madrugada
(me aspira a alma numa só tragada)
Arrastado pelo escuro frio
(tal um trapo fino)
Através das horas fúnebres
Cheias de minutos vazios

Não me sinto muito bem
Eu respiro uma dor tão urgente
Tão apressada em doer, tão pungente
O que pode vir em seu lugar?
Ameniza, menina, ameniza esse penar

quarta-feira, 2 de novembro de 2011


CRIME CONTRA O ALVADIO

Estou em frente a uma folha em branco
que me assusta, me custa encara-la.
Talvez eu a suje com letras
que poderia não ter reunido
pra formar palavras que falhem no sentido
de explicar o que não foi vivido,
ou não correspondido, o fleuma deste espírito.
A folha limpa...
Acho um crime inafiançável contra alvo objeto,
deflorar sua pureza com queixumes,
em forma de letras escuras, que tiro do peito
expelindo-as pelos dedos, friamente.
E assim, como um cenário de qualquer crime,
na calada da noite eu respiro fundo
o quanto posso, onde cabe um minuto,
e disparo rajadas de palavras amargas
contra inocente vítima, outrora branca.
Assim, consumado o ato vil, nada termina.
O alvo papel agora viverá para sempre,
em resposta contrária ao meu objetivo,
o rancor expelido volta comigo,
enquanto dou as costas para a vítima,
vou me deitar com o dobro do fardo,
com o ato do crime registrado em cartório,
e a pena de sentir no peito
tantas outras palavras escuras.
Certamente haverá outras alvas vítimas.
E tantas outras experiências duras.

terça-feira, 1 de novembro de 2011


AS MOCINHAS NA PIROGA

A piroga descansava sua madeira
Nas águas límpidas da longe lagoa
Sobre ela duas mocinhas faladeiras
Donas de uma sombra que não tinha proa

Aquela piroga até que resistia
Em escutar a animada conversa alheia
Mas era só uma refém imóvel
Reduto e suporte das duas sereias

Até o crepúsculo se fez mais rubro
Aos dizeres risonhos das comadres
Que tinham de ir embora, porém já sem alarde

Ficou sozinha a piroga a balançar
Até a lua chegar ansiosa, amarela e cheia
Era delas agora o assunto, das horas da noite inteira