quarta-feira, 31 de agosto de 2011


MATO

Cresce um mato em meu quintal
que não tem limite em seu desespero.
Cresce em cada vão do cimento
que se rende ao insistente apelo

Não mais incomoda o pé de mamona
que mais que a sombra, me faz pensar
- Que poder é esse da natureza,
que não permite nada em seu lugar?

Não há peso de concreto, nem ferro,
que tenha mais força que a vida.
Não me ocorre outra lógica, quiçá,
Desistir da vã procura da saída

Pois o imponente mato me afronta
Veloz e forte, tal qual um jaguar
Penso: - Que poder é esse da natureza,
que não permite nada em seu lugar?

segunda-feira, 29 de agosto de 2011


QUILÔMETROS  AZUIS

Aqui em minha frente,
na frente do meu descanso,
vejo esse antebraço mas,
me salta aos olhos tão estranho
- em posição de queda-de-braço
- parece ter barriga d’água – não me ocorreu antes,
que fossem tão longas estas veias, silenciosas,
quilômetros de azul por sob esta pele (em mutação constante).
Agora encaro a epiderme com muita atenção,
aquela que não disperso aos transeuntes,
agora vai aos poros, um tanto manchados,
friso a testa com a expressão carrancuda
pois nunca havia reparado tal exclusão,
cemitério de células. Peço licença à tatuagem,
que mora sobre o tépido músculo, tranqüila.
Jogo os olhos sobre os pêlos
e me sinto acuado na árida paisagem.
O sentimento nu e perdido.
Nunca estive aqui.
Nunca estive em mim. Por onde ando?
Tenho manchas pelo corpo, pedaços de madrugada.
Não venta mais pela penugem delgada que se esfacela,
a ainda assim se atropelam até o abismo do corpo.
Há quanto tempo não vejo meu sangue,
que me pergunto por onde ele anda,
nunca mais voltou à maçã do rosto
mas sei que ele ainda vagabundeia,
por quilômetros de estradas azuis.
Ele vai onde eu não vou
e corre amargo em meu sorriso,
descansa em meu pensamento
como que rodaste o mundo.

domingo, 28 de agosto de 2011


ATRAVÉS  DO  UNIVERSO

A resposta está viajando nas costas do tempo,
ou há quem diga que habita seu ventre.
Ela está, e ele, sempre esteve.
Ambos estão a anos-luz daqui, homogêneos,
paralelos ao meteoro que gira imenso e leve,
através do universo.
Se envolvem atrás da cortina negra,
vistos apenas por seleto grupo de estrelas.
A resposta talvez seja rubra,
extraída da pétala-flor,
ou como a lava do vulcão,
escorrendo dos nossos olhos
que por vezes sentem a clara cegueira,
a total escuridão.
Talvez seja fria,
com gosto de bílis
na superfície áspera da demasia.
A resposta é alva.
E para nossa astúcia bifocal
de nada adianta procura-la,
atrás dos sóis e das luas.
Ela está entre o nascimento do astro
e a  enfermidade da Terra,
entre a rotação da esfera
e a galáxia distraída, imersa na espera.
A resposta se forma na poeira cósmica,
através do universo e sob a gestão do tempo,
presta-se somente à seu contentamento.
A resposta espreita.

sábado, 27 de agosto de 2011


HOJE

Hoje percebi,
Que sua voz é inconfundível
Mas depois não consegui lembrar-me dela
Hoje, quando atravessei a rua
Hoje, quando sentei na escada
Hoje, quando olhei o tempo perdido
Da minha casa, na sacada

Hoje, eu me apavorei
Com seu cheiro afrodisíaco
Seu aroma peculiar e tímido, no ar, ao meu redor
Hoje, ao pé da porta
Hoje, no portão da frente
Hoje, no meio do suspiro longo
Caído em sua cama onde sentei demente

Hoje, te olhei demais
Num tempo que não foi suficiente
Me senti pequeno e sem palavras, dormente
Hoje, no fim da música
Hoje, no branco do lençol
Hoje, onde pintamos pistas
Escuras e arredias ao afago do sol

Hoje quase sem querer
Descobri nas coisas desarrumadas
Em que você mexia e relia, o amor
Hoje, no sabor do chá gelado
Hoje, na tarde sem pressa
No imensurável prazer de estar do seu lado

sexta-feira, 26 de agosto de 2011


JANELAS DO PASSADO

Passearam meus dedos no velho retrato
Procurando achar alguma coisa viva
De toda a candura que parecia estar em
Alto relevo...

Os cândidos e fúlgidos sorrisos
Quase mal brilham sob o lenço de pó
Imóveis movimentos que nos dão
O bilhete de passagem para
A realidade que já se foi...tão longe, tão perto

E estes dias desbotam
Estes dias submergem ao novo
E podemos vê-los apenas
Pelas janelas que se chamam
Retratos...

Vemos que nossa felicidade
Está em pleno mal trato, presa naqueles papéis
Sem esperança de nossa volta
È tudo que nossa mão não alcança
Mesmo esticada ao extremo
No limite dos músculos inúteis...esforços utópicos

E são tantas janelas para o passado
Com suas vidraças lisas e amareladas
Tanta vida arquivada e tanto gosto de mel
E que mel...Senhor, que doces pedaços obsoletos...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011


ESSA VÃ FILOSOFIA

Essa dor no músculo, essa dor na carne,
e trato minha inflamação com gelo,
quatro cubos no joelho esquerdo,
quatro no ombro direito.
E recebo visita; é o primo Willians.
E começa a vã filosofia. Algumas mulheres,
e conspirações, pré-história, sedução, o cosmo,
a primavera, psicologia, quiromancia,
outras beldades, monarquia, círculos ingleses,
vastidão, peso da farda, cotidiano, mostarda,
timidez, autores literários, horário, pastores,
felação, vizinhas, comédia, razão, férias,
lanches, prisão, Varginha, pirâmides,
motocicletas, perguntas abertas, fechadas,
toneladas, pedras que pesam toneladas,
química, padaria, rotação da Terra,
joalheria, controle remoto, dinheiro,
perspectivas, olhos verdes, Maysa,
extraterrestres, marés, tsunamis, Drielly,
Flávia, roupa preta, pais, toque de celular,
cafajestes, pressa, perfumes, casamento,
indiretas, cachorras, amor próprio,
empatia, sinais, chefes, Santa Branca,
feiúra, Jacareí, espiritismo, Deus, o tempo...
E as horas passaram rápido, ufa!
Essa vida vai mesmo a todo vapor.
Hora do primo ir embora.
Bom, da próxima vez precisamos ter mais assunto.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011


ME  ABRAÇA

Me abraça
Me encaixa nos teus braços
Como o último pedaço de ilusão
Me laça com teus laços de carne e carinho
Me aperte assim, me abrace
Me prenda dentro do teu conforto
Me sufoque de ternura e calor
Me aperte como se sentisse dor
E fosse a dor teu prazer vestido de amor,
Me abraça.

Me faça um ninho com teus dedos
Entrelace aos meus e pague o preço
De sermos só um em dois corpos em chamas
Reclama, minha ausência sentida
Me segura a cabeça em teu ombro
Me sussurre palavras doces de esperança
Me alcança, nesse último estágio de ardor
Me abraça.

Me caça entre os teus pertences
Me morda com tua boca, me beije com teus dentes
E assim de repente me abocanhe
Me jogue dentro dos teus domínios
E antes que eu perca o raciocínio
Me abraça.

Como se fosse a minha frágil matéria
Teu sonho em fortaleza construído
Me abraça.

domingo, 21 de agosto de 2011

VIZINHAS, VASSOURAS E JANELAS

E eu me pego cismado
subindo de moto aquela rua de paralelepípedos
onde as casas não tem número fixo
e as senhoras figuram na calçada
a conversar com as vizinhas
e a se apoiar nas vassouras velhas.
Onde estão seus maridos?
Um se acha enterrado no sofá,
outro faz bico no posto e outro jaz no Santo Antônio.
E porque suas línguas coçam e suas mãos fazem gestos circulares?
Devem estar debatendo sobre tudo aquilo
que não as deixam dentro dos lares,
deve estar faltando troco das coisas dos bares,
devem estar julgando as ditas vulgares,
vivem dentro dos seus lares, somente a resmungar,
sua solidão e seus penares.
Depois do almoço, depois do rádio e se caso achares,
avistarão de suas janelas floridas outros exemplares,
outras vidas parecidas e menos capazes,
de sair deste círculo que roda feito uma saia,
debruçam com as samambaias,
suas folhas, seus anos, suas receitas,
contam seus segredos e seus medos
no portão da outra calçada, seus pares.
A garagem é o quintal dos pesadelos.
Poeira que levanta, folhas que dão licença,
motos que passam, assuntos que sustentam,
tantos assuntos pra amanhã.
Sábado tem procissão e por falar nisso, que horas são?
Agora é hora da novela, fecha a janela pra não entrar pernilongo,
esquenta a janta depois do final, não adianta, todo dia é perenal.

sábado, 20 de agosto de 2011


SIAMÊS DE JANELA

Ele parece um enfeite na janela
Com vários tipos de adorno no corpo
Ele pinta de rosa a vida dela
E a embeleza sem fazer esforço

Ele brinca a tarde com seu cadarço
Pra noite enrolar-se ao pé da cama
À luz do dia, no alto de março
Orgulho dela que toda se inflama

Lambe-se todo na manhã de verão
À espera de leite que não demora
Mia baixinho como quem diz – Não,

Também careço a geléia de amora
À roçar meus bigodes de barão
Com afagos de dona que me adora

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

DESEJOS FIÉIS

Não te vejo muito
Parece descuido
Mas é revés

Mas não amo pouco
Se te digo rouco
Ante teus pés

Que penso em ti tanto
E rogo em meu canto
Desejos fiéis

De ter-te pra sempre
E deste presente
Façam-se anéis


terça-feira, 16 de agosto de 2011


ACRÓSTICO DO AMOR FINAL

Palavras em mim se elevam,
Aumentam e diminuem, se esforçam,
Travam batalhas épicas, se alteram,
Rumam à boca e voltam.
Inspiradas frases se formam,
Cada qual com rimas tortas,
Intimamente se mostram
Amiúdes e vãs, mortas.

Força demais que faço
Esperando encontrar resposta,
Resumo ou livro inteiro
Nomes talvez, propostas.
Artifícios qualquer eu aceito
Nortes, sei lá, quem possa,
Dizer como explico ou desenho
Esse amor que me alvoroça
Sápido, morno, que me adoça

segunda-feira, 15 de agosto de 2011


ESCADARIA

Ninguém sabe que a escadaria
que leva ao cemitério
também leva à sério os casos de amor...
e seus grandes mistérios.
Ninguém conhece o reencontro
de mãos dadas, exalando pelas escadas
o anúncio de um beijo, os mais íntimos desejos.
Ninguém sabe, mesmo quem mora em Passa Quatro.

Ninguém ouviu o estouro de alegria
que num degrau acontecia, a restaurar-se um tempo,
saudoso tempo.
Um blecaute na cidade, escuridão quiçá em Minas,
fez do céu uma obra-prima
ao convidar milhões de estrelas.
Fez verão em julho quando entrei no seu abraço.

Ninguém suspeita que no fim da escadaria
começa outra história, em que a felicidade é parte obrigatória
e tempera cada palavra, dança com cada frase.
Ninguém imagina que esta cidade dita fria,
só o é para quem não ama,
e não enamora-se na escadaria.

Ninguém reclamaria aquele espaço escarpado
onde estava de lado o que não fosse o recomeço,
o que não fosse a extasia.

domingo, 14 de agosto de 2011


ENTRE ABISMOS

Vou escrever sobre nada, minhas mãos pesadas
estão no ritmo dos pensamentos mornos, distantes.
Mãos cheias de vício. Dedos exaustos.
Se eu estivesse debruçado em uma caneta, pouca tinta teria.
Se eu estivesse de fato escrevendo algo, não seria isso.
Se eu pensasse... talvez ainda fosse omisso.
Meu raciocínio perambula entre abismos...
E tenho um teclado indecifrável à minha frente,
colossal e negro. Letras reunidas como assembléia dos sindicatos,
a querer saber o que vai ser, o que vou tecer.
Oras! Serei evasivo. Destilarei o vazio,
tudo aquilo que não está acontecendo e nem aqui está. Nem lá.
Escreverei sobre o nada pois assim acabarei inócuo.
(bom saber que todos sairão ilesos)
Então deixe-me dizer sobre o vácuo,
sobre o oco e sobre o espaço.
Notaste este espaço entre nós?
Me deixe discursar sobre as áreas desabitadas.
Tanto as do solo quanto às do coração. 
Sobre sombras e madrugadas.
Pois sempre dentro de um afeto existe um vão.

domingo, 7 de agosto de 2011


NÃO ACHE RUIM

Não ache ruim, por favor
Por eu gostar do seu jeito
Como fala, como anda e seus defeitos
De como sorri e de como desenha
Em seus simples movimentos
Todos os meus desejos

Não ache ruim, por eu ser
Um alvo tão fácil ao teu tiroteio
Já me doeu muitas dores
Mas me rendo agora por inteiro
Me rendo atado, amarrado e calado
Picado em teu veneno entre mil devaneios


Não ache ruim, se já te disse
Por ser tão fácil vítima
Por não me esquivar, por não usar
Argumento nenhum em defesa legítima
Ah! De que me adianta ser varão
Se não o sou em suas mãos?