quinta-feira, 29 de setembro de 2011


ABRACE ESSA CAUSA

Vamos fundar um asilo para os tigres de bengala
Onde eles possam desbotar suas listras com dignidade
Nesta selva em que ele não corre nem acasala
Perde suas presas conforme ganha idade

Vamos fundar uma ONG para os ursos de óculos
Que não tem achado mais colméias cheias de mel
Perdidos no vácuo imenso da miopia crônica
Carecem de convênio ou findarão de leito cruel

Quantas revoluções marcham
Na órbita de minha cabeça
Não sem antes que eu me esqueça

Vamos fundar um sindicato para as formigas operárias
Atiçar sua consciência para suas horas várias
Passeatas e elaboradas faixas serão intensas
Imagina? Cada uma de milhões, dizer o que pensa.

terça-feira, 27 de setembro de 2011


COMBUSTÃO  DA  ALMA

De repente chega o amor
Como uma luz que se acende
E nos deixa com os olhos semi-abertos
Muito pouco do tudo é o que se vê

De repente chega o calor
Como uma massa de ar vulcânica
Que nos faz enlouquecer
É a semente que germina e cresce
Lentamente faz doer

E não mais que de repente chega o pudor
Como a coisa que menos faz sentido
Pra quem ama, nem ao menos é ouvido
A vergonha não se inflama, desaparece

Daí que de repente permanece o ardor
Brasa ao vento que só faz aumentar
O desespero é o álcool que nos vaza
Em corrida frenética a nos calar
O amor assim acontece, sem nada inteiro ficar

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PÁTIO  DOS  TRILHOS

Quanto vento sem rumo
Sem calor e sem prumo
A se encontrarem afoitos
No Pátio dos Trilhos
Fico sentado por ali
Estático e sozinho
Engolindo o assunto
Vigiando o outono
Contando os ninhos
E as marcas de pombos

Quantos vagões transparentes
Que só na minha mente
Se ouvem seus estrondos
Ali no Pátio dos Trilhos
Eu subo o zíper da blusa
Mais dois degraus e me escondo
Do movimento urbano
Alguns olhares de abandono
Daqui a pouco já escurece
E fecho a janela do sonho

Quanto pecado inocente
Nas pilastras vivas
E nas portas que persistem
No Pátio dos Trilhos
Quanta aparência triste
Na alegre sinfonia dos pássaros
No amarelo da Sala Mário Lago
Que o pôr-do-sol já nem toca
Já nem toma este espaço
Este vasto pedaço
Que o chamam Pátio dos Trilhos

sábado, 24 de setembro de 2011


CAMINHO DA ESCOLA

A garota segue para escola sozinha,
Dentro de seu porte de menina
Um caminho deserto, sem nada por perto
Uma estrada de terra, sinuosa e sozinha
Em seus altos e baixos termina
Em um novo começo sem fim
A garota não tem pressa
E caminha seus passos medidos
Não afrouxa mas não acelera
Por não saber se em algum lugar a esperam
Lancheira no ombro, um par de cadernos na mão
Expressão serena em um olhar para o chão
Cabeça inclinada, sem culpa, porém, pesada
A garota vai...
O clima é frio e o pensamento é distante
Quase sem endereço, sem mais adiante
A estrada persiste entre verdes gramados
Que assistem seu rastro assim desalinhado
Não há sol, não há chuva, não há casas
Nem um sopro de vento se arrasta
Apenas uma garota à caminho da escola

sexta-feira, 23 de setembro de 2011


A MARCHA VERDE OLIVA

A longa marcha ao longe verde
A quem vê de longe uma serpente
Iam soldados carregando nobres sonhos
Às vezes dos mais inocentes

No ritmo preciso, uníssono passo
Carregavam seu cantil, as incertezas
E uma lembrança cheia de acenos
De expressões de dúvidas de suas princesas

Quem na frente vai cruzar meu caminho?
Quando estarei sozinho, de fuzil e baioneta?
Se ferido, não sei, um raciocínio sem clareza

Mas ainda estou aqui, levado pelos coturnos
Enfileirado à tantas histórias de vida
A pensar se o destino podia ser mais soturno

terça-feira, 20 de setembro de 2011


LUA  NAVEGANTE

Hoje a lua parece um barco
Deitada no oceano de negro mar
Parece um arco
Que atira flechas como raios cálidos
Parece fácil
O sorriso aberto e exposto
Em alturas sem fim
Tal qual uma bandeira alva
Dos que habitam lugares sagrados
Compartimentos selados
Neste coração dormente em mim

Hoje a lua está no oposto
Deste céu em luto, em desgosto
Como se algo soubesse, se culpa eu tivesse
Me olha fixo essa lua sem rosto
Eu molho meus pés
Em seu reflexo n’água
Desfaço sua forma cheia de voltas
Revolta minha prece amarga de mágoas
Volto a ser andarilho da noite
Que traz a míngua, revela o açoite
Em poder da lua que hoje é um arco
Talvez seja um sorriso
Ou quem sabe um barco

Navegando, navegando...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

NAUFRÁGIOS  DA  CAMA

Eu estava submerso em ondas tão fortes
Ondas de rádio a me afogar em acordes
De
uma música morna e envolvente
Que me fez pular da cama
Eu estava navegando e acordei
Pus os pés descalços no chão
E me dei conta de que naufraguei
Eu estava à deriva dentro do meu quarto
Exilado de meu próprio sonho
Será que estou suado? Será que estou molhado?
A brisa que me ataca pela fresta da janela
É o resto do vento que me jogava fora?
Preciso dissipar a noite em que estou
Preciso acende-la no interruptor
Preciso me secar daquele amor, que terror
Vejo que navegava inconsciente
Pela orla da sua geografia, quem diria, quanto tempo
Tantas milhas já passadas dessa história
E ainda não me distanciei de tuas ilhas
Um dia eu buscava teu ouro, procurava tua prata
Eu ansiava ficar rico da tua atenção, ser teu exclusivo sultão
Mas não foi assim, a viagem foi insólita e infeliz
Agora acendo a luz e me ancoro em terra firme
É tão seguro estar de dia
Sem os naufrágios da cama
Seus tempestuosos dramas

domingo, 18 de setembro de 2011

MSN

O amor por aqui passou, rápido,
no meio da conversa
onde estávamos na janela,
digitávamos anseios e ele passou,
quase não vimos e talvez não mesmo,
mas ficou seu aroma.
O amor passou como um passarinho,
passou alegre e mensageiro,
piscou e bateu asas.
Nós continuamos debruçados na janela
nos tocando por palavras digitadas,
e cada vez mais encantados
pela colocação de cada vírgula, emotions
e suspiros de reticências...
O amor provavelmente nos tocou
em sua passagem,
quase certo que sim,
roçando leve o suficiente
para nos infectarmos,
assim, tudo está prestes a se perder,
a paz a partir e a loucura a chegar.
Um súbito de arritmia,
e não queremos mais nos despedir.


sábado, 17 de setembro de 2011


IMENSIDÃO  DE  MEIGUICE

Como todos os dias,
espero para te ver passar no fim da tarde e,
assim ter meus poucos segundos de elevação espiritual,
navegar na imensidão de paz que cabe
neste curto momento em que você passa,
apenas passa, timidamente, deixando o rastro de blandície
que lhe transborda tão naturalmente como a flor desabrocha.
Parece que o mundo pára nesse instante.
Toda a realidade submerge
ao abismo oceânico de silêncio estrondoso,
a pavorosa quietude que tenho o dissabor de saber
que só dura esse instante, esse lacônico trajeto.
Eu espero por esse momento sublime todos os dias,
religiosamente, adorador da beleza que passa suave,
deixando seu vestígio de pureza.
Nestes momentos que me apego,
que anseio, acredite, é inevitável meu tormento,
pela felicidade ambígua de nem trocarmos pensamentos.
Os meus, se refugiam ao local desconhecido,
nas sombras dos meus segredos,
longe do seu breve itinerário
e perto do que eu nunca te disse;
que enches meu coração de paz
com tua imensidão de meiguice.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011


SUSPIRO...

Falo baixinho –  Te amo!  
com toda força do meu suspiro.
Te amo mesmo, te amo muito,
e me dói o peito de amar, te respiro.
Amo até não conjugar mais,
até que de tanto amar, te vivo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O TEMPO NÃO DANÇA

O tempo trabalha em silêncio
Em
seu infalível movimento
Ele parece galopar
O tempo não dança
Uma dança leva tempo
Mas o tempo não dança
Não escorrega nem tropeça
Apenas segue em frente
O
tempo não cansa
Ensina sem nada falar
Com a receita da perfeição
Assiste a tudo e não desiste
O tempo não amansa
E seu apetite é voraz
Mastiga os segundos
Devora os minutos
É o invisível monarca
Que nossa vida conduz
O tempo não dança
Seu caminho é reto e constante
Porque não dizer fascinante
O tempo é Deus
Minucioso a nos observar
Esse velho jovem...
À espreita dos momentos

terça-feira, 13 de setembro de 2011


LIBIDO  LIBERTO

Estamos sós
Dentro da imensidão que existe
Em tudo que reside entre quatro paredes
Onde a solidão terá fome e terá sede
Estamos sós
Sem palavras ou gesto fúteis
Sem razões mas providos de instinto
Somos o único par do infinito
Rasgamos lençóis
Nos tornamos uma só carne e uma só alma
Mistura homogenia, morna fusão
Crescente calor para a erupção
Estamos sós
Nos consumindo até o âmago
Devorando macios travesseiros
Desmontando barreiras incolores
Desatando nós
Palavras inaudíveis que não querem dizer nada
Apenas despejam da boca, caem caladas
Desaparecendo em úmido leito
Estamos à sós
Libido liberto, dissipado, quarto quieto
Somos culpados, vítimas e testemunhas
Pedaços do meu dorso em tuas unhas
Estamos à sós
Estamos com o que resta de nós
Estamos felizes como o sorriso lunar
Com a falta de perspectiva de sair do lugar
Quando estamos livres, absolvidos e à sós

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


JANUÁRIA  E  CHICO

Januária, uma morena bonita
que mora ao norte de Minas Gerais,
passa o dia cortando cana.
Também corta corações de papel e de carne.
Tem dias que passa cantando, tem dias que não.
Ela vive com uma família numerosa
dentro de uma minúscula casinha de chão batido.
A localidade se chama Brejo do Salgado
e todos conhecem Januária,
a moça que colhe e bebe a cana, o caldo,
o bagaço e a lama, a morena jambo.
Canta como só ela e encanta como novela,
trama das oito, que poucos podem assistir lá por essas bandas,
poucos se iludem, a maioria apenas luta,
como os cachos de Januária ao vento.
O sal, o suor, a cana.
Ela imagina se deitar na cama,
algum dia na vida, no fim do castigo,
ao lado do velho Chico, seu amor de sempre.
Chico é um viajante enorme e garboso,
constantemente a passar por ali,
ele leva tesouros e os olhos curiosos
dos que habitam os casarões. O velho Chico...
que um dia fez uma pausa em Brejo dos Salgado
e fundou o amor por Januária,
e também a produção da melhor cachaça do mundo.

domingo, 11 de setembro de 2011


POEMA DE ANTE-VÉSPERA

(A Solidão do Espelho)

Da caminhada sem mãos
Me atento ao pássaro no céu
O pássaro sem ninho
Que despenca das alturas
Sem beijar o chão                       
Me atento para a solidão
Noto o cansaço das asas
O bico agônico e seco
De quem nunca pousa
De quem nunca descansa
O pássaro embriagado
De tanto céu azul
De tanta nuvem torta
Oh! Meu Deus!
Pra onde ele vai agora?
Se não há destino nem volta
Não há caminho
Pra fugir, ir embora
O azul anoitece
A escuridão apavora
E o pássaro sem ninho
A vagar chora
Que pena, que rapina
Que vasta incerteza
E deitando-me pra assistir
Do solo, o solo trajeto
Frio e rasante é o medo
(que medo)
O céu parece um espelho.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011


EIS O SONO DA RAZÃO

Que sandice preocupar-se com grãos,
com partículas, farelos e células.
Ter forte elo com a preocupação.
Que sandice envelhecer antes do tempo,
às vezes guardar proventos por prevenção
Que atestado de loucura preocupar-se com o não,
preocupar-se com o sim, preocupar-se em vão...

Eis o corte em minha carne que já não dói,
o sangue que já, não jorra, é a pressa da demora,
dos deuses e dos heróis.
Ou seriam dos astros e dos satélites?
Quão importante seria a relação do tempo
Para despejarmos toda nossa calma
Nas entranhas e minérios da terra
Rumo ao desconhecido e o adeus das palmas

Que ledo engano evitar a imaginação
Não passear pelas idéias repentinas,
Nas breves visitas fora de estação.
Desejos fora de medida, na imagem turva,
Frutos que parecem fora do alcance da mão.
Colossal loucura essa, a dos sensatos
Que acreditam ser leve, o pesado sono da razão.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

TUA  CASTIDADE

Tua castidade
É uma ilha de verdade
Em que ninguém pode dizer: -Não!
Também ninguém pode pedir: - Quero!
Queres não, podes não, fazes não

Tua castidade
É um copo d’água
De pura e cristalina água
De copo virgem e cristalino
E em cristal não se põe a mão

Tua castidade
É de uma pose elegante
É de uma saúde que não gozo
É de uma pele que nem posso
Tocar nem por um instante

Tua castidade
É uma rosa no penhasco
Pensativa e imponente
Estação do desespero
Que tantos querem se jogar

Tua castidade
Haverá necessidade?
Qual chave te liberta?
O que diz essa expressão
Quando tua boca me diz: -Não!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011


ÓSCULO

Nunca miramos, medimos a boca
Sempre se acerta, encaixa-se bem
E como as palavras nunca convém
Te invado como se fosses oca

A língua inquieta como se em jaula
Em luta harmoniosa de prazer
Sem nada a ganhar nem nada a perder
Apenas vê-se a ascensão da alma

Pares de olhos muito bem trancados
Sendo tão inúteis pra enxergar
O que aos corações são confinados

Pares de ouvidos em mar de quietude
Onde a razão jamais vai ancorar
Até o adeus dos lábios, amiúde

domingo, 4 de setembro de 2011


DOMINGO  DE  PÁSCOA

Da multiplicação da tristeza
se fez o cortejo fúnebre.
E levaram a pouca matéria do anjo
por entre as ruas de Baependi.
A manhã sabia e baixou um tempo nublado,
o comércio também, baixou portas lívidas.
Arrastou-se aquela gente dentro do silêncio
e arrastou-se o silêncio na manhã de domingo.
Os passos eram pequenos mas a dor era grande.
Uma criança chorou outras dores,
talvez daquelas que passam rápido.
Os adultos seguiam funéreos.
As casas espiaram, os cães nem ladraram.
E chegaram, ladeira acima, até o cemitério.
Um túmulo logo ocultou a criança ,
aos olhos marejados daquele povo,
que logo dispersou-se
para dentro do domingo de Páscoa que estava em pausa.
A vida segue e logo,
algumas crianças abrirão seus ovos de chocolate.

sábado, 3 de setembro de 2011


FILHO ÚNICO

Eu sou filho único,
do único encontro do mesmo sêmen,
com o mesmo abrigo, o único.
De alguma maneira eu sou sozinho,
uma receita perdida, um beijo doce e longo
de despedida.
Não é curioso? Não é soberbo?
Sou um cometa, sem cauda, sem destino.
Eu sou um homem, embora menino.
Me assemelho aos deuses
E mais quando sou único
Que egoísta que sou quase sempre
Em minha parede cinza está sempre ausente
As cores daqueles momentos ternos
Emolduradas por quadras douradas
Ainda bem que um dia chegou minha amada
Com o dedo em riste nos lábios dizendo:
- Shiiiiiu. Silêncio! Eu vim pra te salvar.
- Eu sou a única que pode e você é único e meu.
- Claro! – completei. – você sou eu, ao contrário.
Perfeita sintonia do universo, na forma do eu, inverso,
nas curvas desta esbelta mulher.
Continuo singular como todos são, porém,
Mantenho a visão multifacetada de quem é filho único,
Me escondo e me protejo, carapaça de caranguejo.
E da dose do teu beijo, vivo mais um dia
Amo tantos meus irmãos, sem aquele laço, sem aquele sangue,
Sem a pesada obrigação de amar, apenas os amo.
No início de cada dia, talvez porque você me abraça
No meio da nossa confusão, morna e sem lei
Não sei onde me termino ou onde te começo, não sei
Já começa a não importar mais estes meros limites,
A partir do momento em que juntos estamos inteiros.