sábado, 31 de dezembro de 2011


FOGO  E  VENTANIA

Eu teria a sorte se ela me tivesse também
Mas estamos assim, cada um na sua, amizade crua
Conversa nua de especulações
Eu nem ligo pra rotina se ela nada me acrescenta
Eu ligo o rádio e ignoro sua presença
Estamos prestes a nos desafiar

Mas a esperança sempre se veste muito bem
Com adornos que roubam minha atenção
Eu sigo a tua pista calçando meus princípios
Já vou indo pois, me fascina todo início

A quem estancou minha confiança
E acha que não posso escalar paredes
Nem resolver minha fome, minha sede
Quem acha que eu não acho meus caminhos
Eu sobrevivo ferido e sozinho
Renasço das cinzas, sou de fogo e ventania

Não queira provar pra ver que eu sou eu
Mais eu, mais eu, mais eu...

domingo, 11 de dezembro de 2011


FLERTANDO...

Flertar é um exercício da dedicação?
Ou um exercício do instinto?
Não! Flertar é sentir-se vivo...
É não ignorar o bonito
O passeio dos olhos, das pernas
O caminhar da imaginação
Do encontro das pernas...
As pernas que carregam o busto
De um rosto devorado pelos olhos
Par de olhos perdidos
Tais dois garotinhos com frio
No vazio da multidão
Mas olhos mesmo, só se encontram
Em outros mesmos olhos
Que passeiam pela diversão das pernas,
Pelo exercício das pernas,
O instinto das pernas...
O exercício do instinto
O instinto do flerte
O flerte sem compromisso
O sorriso, o início...
...pra terminar fatalmente
no aconchego dos olhos
O ponto final do flerte
O nó cego do vício...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011


O  ALBERGUE  DAS  GÁRGULAS

Das pequenas e grandes coisas
que estão erradas em minha vida, há as identificáveis,
foi analisar e constatei; preciso voltar os olhos à mim,
reaprender a gostar, me gostar, acender meu amor-próprio,
adula-lo e dançar em volta de sua chama,
num ritual de horas ou semanas.
Detesto dançar mas preciso fazer isso por mim,
necessito me amar, voltar a me apaixonar
como à tantas vezes por outras mas, à mim saudavelmente.
Preciso soletrar meu nome sem narcisismo e,
tirar debaixo do pó do tempo, todos os bons adjetivos,
lustra-los de maneira que reluzam minhas boas companhias,
é disso que eu preciso; porém, sem os dedos do egoísmo
e suas digitais mórbidas a deturpar cristais de confiança
que me são entregues,
eu sou um pobre com teto de vidro,
cobrindo este albergue, em que moro,
às vezes vivo...
Onde às vezes eu choro alguns desejos até fúteis e,
reconhecendo essas frivolidades,
começo a dissipar o céu púrpuro a qual me encontrava,
povoado de gárgulas que no fundo não passavam de pardais,
dramático que sou, que lúgubre tornei o ambiente de sol tão morno,
tão fim de tarde e harmonioso.
Preciso urgentemente aprender a amar,
a começar por mim ou ninguém o fará.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

ELE  LATE  A  QUE  VEIO

Cãozinho feio é o Pipo
Que feiúra mais agradável
No seu topete que todos brincam
Todos o abraçam e todos lhe falam
Que lhe amam pois é o cãozinho mais feio
E ele late a que veio

Dorme na cama, almoça na mesa
Ele quase reclama, ele sempre nos beija
É o amigo que sempre me espera, sempre
Mesmo quando eu não chego, eu penso:
Quando chegar, vou findar seu anseio
E ele late a que veio

Cãozinho mais pidão
De patinha mais insistente
O tempo todo e todo dia carente
E não é que ele tem até travesseiro
Esse cãozinho do mais feio
E ele late a que veio

terça-feira, 6 de dezembro de 2011


COITADO  DO  JOSÉ

Coitado do José
Que se quiser chegar, imagina, vai a pé
Sua condução são duas pernas, fortes,
Inabaláveis como sua fé
Pobre José...

Sua única certeza
É não saber o que terá sobre a mesa
Sua dúvida, queimada na fogueira santa
Carbonizada de esperteza
Pobre José...

Sua fiel esposa
Desde moça é dedicada obreira
Recolhe os donativos da última
À primeira fileira
Um é do José

O bom pastor
Homens de muitos bens, adquiridos dos “améns”
Ressalta o valor desigual do sacrifício
A salvação se compra e ela vem
Uma é do José

Os dois filhos,
Também os sobrinhos, saíram-se aos seus
Membros da igreja do Reino de Deus
Ninguém lê notas de rodapé
Nem o José.

Coitado do José...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011


CHEIRO DE CHUVA

Estou só em casa com o calor da primavera,
a meu favor, o gelo da cevada
dentro do entardecer do sábado,
a noite agora é muito jovem em Jacareí,
é jovem no meu sudeste.
Existe uma chuva de possibilidades
que cai junto com a água.
Tantas promessas lá fora mas não são minhas.
 Estou bem, estou no meu canto.
O som que chega aos meus ouvidos no quarto,
entre as gotas da chuva no telhado, é anos 60,
me enfeitiça.
Tenho um caderno amarelado pra rever,
já debutante e com orelhas,
e um fumo achocolatado pra queimar. Estou bem.
A pouco eu tinha um tênis cheio de chão
que joguei de lado, descanso agora,
regata no corpo e na mente um escopo
da mais possível felicidade,
que esculpi de modo bem simples.
O essencial está na conta dos dedos.
Após abrir a porta,
me invade um cheiro de asfalto molhado
que só faz sorrir,
e assim parece que a vida é nova em folha.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


NOITE ACORDADA

Eu estou bêbado de sono
(muito mesmo)
Embriagado pela noite
(toda noite)
Mastigado pela madrugada
(me aspira a alma numa só tragada)
Arrastado pelo escuro frio
(tal um trapo fino)
Através das horas fúnebres
Cheias de minutos vazios

Não me sinto muito bem
Eu respiro uma dor tão urgente
Tão apressada em doer, tão pungente
O que pode vir em seu lugar?
Ameniza, menina, ameniza esse penar

quarta-feira, 2 de novembro de 2011


CRIME CONTRA O ALVADIO

Estou em frente a uma folha em branco
que me assusta, me custa encara-la.
Talvez eu a suje com letras
que poderia não ter reunido
pra formar palavras que falhem no sentido
de explicar o que não foi vivido,
ou não correspondido, o fleuma deste espírito.
A folha limpa...
Acho um crime inafiançável contra alvo objeto,
deflorar sua pureza com queixumes,
em forma de letras escuras, que tiro do peito
expelindo-as pelos dedos, friamente.
E assim, como um cenário de qualquer crime,
na calada da noite eu respiro fundo
o quanto posso, onde cabe um minuto,
e disparo rajadas de palavras amargas
contra inocente vítima, outrora branca.
Assim, consumado o ato vil, nada termina.
O alvo papel agora viverá para sempre,
em resposta contrária ao meu objetivo,
o rancor expelido volta comigo,
enquanto dou as costas para a vítima,
vou me deitar com o dobro do fardo,
com o ato do crime registrado em cartório,
e a pena de sentir no peito
tantas outras palavras escuras.
Certamente haverá outras alvas vítimas.
E tantas outras experiências duras.

terça-feira, 1 de novembro de 2011


AS MOCINHAS NA PIROGA

A piroga descansava sua madeira
Nas águas límpidas da longe lagoa
Sobre ela duas mocinhas faladeiras
Donas de uma sombra que não tinha proa

Aquela piroga até que resistia
Em escutar a animada conversa alheia
Mas era só uma refém imóvel
Reduto e suporte das duas sereias

Até o crepúsculo se fez mais rubro
Aos dizeres risonhos das comadres
Que tinham de ir embora, porém já sem alarde

Ficou sozinha a piroga a balançar
Até a lua chegar ansiosa, amarela e cheia
Era delas agora o assunto, das horas da noite inteira

quinta-feira, 27 de outubro de 2011


A DANÇARINA NO ESCURO

Havia uns meninos empinando pipa
Na rua de casa ao anoitecer
E ficaram ali indiferentes ao cair da noite
No meio da rua, no meio das calçadas
Eles empinavam o nariz e fitavam
A dançarina frágil de papel
Que se perdia no escuro
Haviam dois em cima do muro
Haviam três ao lado da escada
Havia nada além do diálogo mudo
De tanto que se concentravam

Os meninos não tinham mais casa
Nem fome nem nome já eram lembrados
Tinham somente o medo que extravasa
De perderem seu ponto, de cortarem seus laços
O sobrenome então, menos importa
E eis que algo os força a correr desesperados
É a dança que descompassa no lenço negro
Ainda é visível ao longe o desassossego
A dançarina que cai e rodopia sem pressa
Já entre estrelas que só os meninos enxergam
Linha tênue no teto de ébano

domingo, 16 de outubro de 2011

MANCHETE  EM  MINHA  MÃO

A cigana abriu a minha mão
E leu uma manchete interessante
Dizia que abaixo da linha da vida
E acima de qualquer suspeita
Não existe pessoa perfeita
Apenas a que sirva pra mim

A cigana abriu seu sorriso de ouro
E disse que nas entrelinhas do dia a dia
Existem incontáveis tesouros
Enterrados bem embaixo de nossa pressa
Disse a ela que isso muito me interessa
E me dei conta que a ganância não tem fim

A cigana abriu o seu conselho
E enquanto ajeitava seu vestido
Me senti confuso em seu colorido
Minha mão suava nas três linhas
E havia tanto escrito que não tinha
Que não foi possível me lembrar

A cigana abriu enfim a sua mão
E em suas três linhas eu pus três moedas
Agradeci a consulta que nunca marquei
E o que dizia em minha manchete já não sei
Talvez seja pra que eu tome mais cuidado
Pra quando o arco-íris cair na rua
Que atravesse pro outro lado

sábado, 15 de outubro de 2011


NOTÍCIA  EM  BRANCO

A banca de jornal
não exibia notícia nenhuma pela manhã
mas o amor fugiu.
Não tinha manchete nem uma pequena nota
mas a dor é grande.
Chafurdei até o jornal de concursos, nada.
Fofocas também não fizeram
e o mundo está indiferente.
Não há pistas nem maiores informações
e seu paradeiro é incerto.
O amor não é visto em lugar nenhum
e está estampado nos cartazes de desaparecidos,
pelas ruas do meu universo íntimo. Sim!
Procura-se o amor, desesperadamente.

Estações e canais não dizem nada sobre a tragédia
e omitem o apocalipse.
Pessoal; o amor pode ter morrido!
As páginas da internet não debatem o tema
e é este entre os grandes, o maior dilema:
Como viver sem o amor?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

INOCÊNCIA  DE  SAIA

Um pouco de saia de muito assanhada
De pano não muito, mas muito alvoroço
Pelo pouco pedaço que favorece o espaço
Que sobra pra carne, que envolve o osso

E as duas pilastras já levam as saias
Que envolvem a estátua morna e formosa
Finge que ali mora pra proteger o pecado
Que teima em passear sem a prudência do lado

Vai bela forma, com teu ventre rosado
Adornado em saia que acompanha o gingado
Flerta com o vento que a flutua calado

Vai inocência, atormentar os desocupados
E os que prestavam a atenção até passar do teu lado
Veja quanto perder, no seu corpo é achado

sábado, 8 de outubro de 2011


CHINELINHO

Ao passar pela sala é tão bom ver seu chinelinho,
que você deixou no canto da porta como um vigia,
o parzinho pequeno que teus pés
já levaram agora leva meu pensamento,
a cada vai e vem.
Eles parecem com seu sorriso maroto,
ali no cantinho, parece que encolhem um pouco
numa súbita falta de jeito, passageira.
São chinelinhos serelepes marcando território,
como você quis, lá ficaram.
São de número 35 e parecem menores,
mas muito melhores nos seus pés.
Me observam como se tivessem seus grandes olhos verdes...
Sei que vejo demais, mas nada é capaz
de afastar certos desejos, às vezes medos,
enfim, mas sei que você volta.
Pra encaixar seus pezinhos nas tiras prateadas
do chinelinho que reside ao pé da porta.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011


DISSIDÊNCIA

Você é o sol da minha meia noite
Que amo tanto mesmo estando ausente
Essa distância é apenas um açoite
Em que a dor escolheu pra ser nascente

Assim me aqueço nos mínimos raios
Que chegam pálidos e preguiçosos
De sonhos guardados em mil balaios
Me sorriem os dentes mais viçosos

Se guardo ainda na boca o teu gosto
É porque não fui capaz de expeli-lo
Mas traga-lo seria um suicídio

È sermos opostos, o meu desgosto
Qual imponente, não posso feri-lo
Intocável fado, nosso dissídio

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


VOCÊ  NÃO  DEVE  SABER 

Essa nova moradora que carrego
Essa força maior que me arrasta
Essa estranha paixão que já não nego
Essa solidão que da mente se afasta

Você não deve saber que anda subindo num palco
E protagonizando minhas melhores emoções,
Tudo isso quando se fecha as cortinas dos meus olhos
E permaneço só em meu silêncio interior,
Apreciando sua interpretação sobre o que é o amor
Como é linda a cachoeira das palavras que despeja
E incerto meu barco que em teu mar já veleja

Eu estou aprendendo todos os dias
Ensinando minha dor a calar
Estou domando os sentimentos afoitos
Sabendo que posso e consigo esperar

Você nem deve saber dos oásis de um deserto
Nem saber que de mim mora tão perto
Desconhece as aflições de um silêncio
Incenso que queima sem aroma, sou
Sabe, sei lá, acho que na verdade...
Você não deve saber

terça-feira, 4 de outubro de 2011


MAIS QUE UM LUGAR ENTRE SEUS ESPAÇOS

Não preciso de bocas, braços
Ou de um lugar entre seus espaços
Eu preciso de um amanhã
E um depois, com planos à dois
Sem intervalos ou intervenções
Quero toda tua lava em erupções
Eu quero teu âmago, quero teu perfume
Quero desde o pé subindo até o cume
Quero por inteiro de janeiro à janeiro
Ver a solidão sucumbir de joelhos
Quero arar sua alma com as próprias mãos
Plantar em nossa vida, mais uma, por que não?
Quero amor presente e integral
Sabe bem que isso nunca faz mal
Quero também a sua amizade
Com boa dose de cumplicidade
Sair de mim só nos teus momentos de loucura
Pra voltar tranqüilo, ambos com a alma mais pura
Mas que não seja apenas bocas, braços
Ou um lugar entre seus espaços
Preciso mais que meia hora e um cansaço 

domingo, 2 de outubro de 2011


O DIA EM QUE O DIA NÃO ACABOU

Naquela fatídica tarde
O sol se enroscou no horizonte
E sem muito alarde
Pairou imóvel atrás dos montes

Cessou na igreja a chuva de arroz
Paralisou-se a obra do metrô
Estagno-se o astro onde ninguém o pôs
Chegou o dia, como dizia meu avô?

As crianças brincando no parquinho
Não entendiam aquela agonia laranja
Até um cego estranhou um pouquinho
E uma mulher perdera sua colher na canja

Nunca desejaram tanto o escuro
Para dentro desse dia eterno
Todos queriam provar ser puros
Mas seus pecados não cabiam no terno

E o sangue do sol espalhou o vermelho
Tudo na terra e na água ficou vermelho
Todos que roubaram para não entrar no inferno
Sem exceção, em vão, se puseram de joelho

quinta-feira, 29 de setembro de 2011


ABRACE ESSA CAUSA

Vamos fundar um asilo para os tigres de bengala
Onde eles possam desbotar suas listras com dignidade
Nesta selva em que ele não corre nem acasala
Perde suas presas conforme ganha idade

Vamos fundar uma ONG para os ursos de óculos
Que não tem achado mais colméias cheias de mel
Perdidos no vácuo imenso da miopia crônica
Carecem de convênio ou findarão de leito cruel

Quantas revoluções marcham
Na órbita de minha cabeça
Não sem antes que eu me esqueça

Vamos fundar um sindicato para as formigas operárias
Atiçar sua consciência para suas horas várias
Passeatas e elaboradas faixas serão intensas
Imagina? Cada uma de milhões, dizer o que pensa.

terça-feira, 27 de setembro de 2011


COMBUSTÃO  DA  ALMA

De repente chega o amor
Como uma luz que se acende
E nos deixa com os olhos semi-abertos
Muito pouco do tudo é o que se vê

De repente chega o calor
Como uma massa de ar vulcânica
Que nos faz enlouquecer
É a semente que germina e cresce
Lentamente faz doer

E não mais que de repente chega o pudor
Como a coisa que menos faz sentido
Pra quem ama, nem ao menos é ouvido
A vergonha não se inflama, desaparece

Daí que de repente permanece o ardor
Brasa ao vento que só faz aumentar
O desespero é o álcool que nos vaza
Em corrida frenética a nos calar
O amor assim acontece, sem nada inteiro ficar

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PÁTIO  DOS  TRILHOS

Quanto vento sem rumo
Sem calor e sem prumo
A se encontrarem afoitos
No Pátio dos Trilhos
Fico sentado por ali
Estático e sozinho
Engolindo o assunto
Vigiando o outono
Contando os ninhos
E as marcas de pombos

Quantos vagões transparentes
Que só na minha mente
Se ouvem seus estrondos
Ali no Pátio dos Trilhos
Eu subo o zíper da blusa
Mais dois degraus e me escondo
Do movimento urbano
Alguns olhares de abandono
Daqui a pouco já escurece
E fecho a janela do sonho

Quanto pecado inocente
Nas pilastras vivas
E nas portas que persistem
No Pátio dos Trilhos
Quanta aparência triste
Na alegre sinfonia dos pássaros
No amarelo da Sala Mário Lago
Que o pôr-do-sol já nem toca
Já nem toma este espaço
Este vasto pedaço
Que o chamam Pátio dos Trilhos

sábado, 24 de setembro de 2011


CAMINHO DA ESCOLA

A garota segue para escola sozinha,
Dentro de seu porte de menina
Um caminho deserto, sem nada por perto
Uma estrada de terra, sinuosa e sozinha
Em seus altos e baixos termina
Em um novo começo sem fim
A garota não tem pressa
E caminha seus passos medidos
Não afrouxa mas não acelera
Por não saber se em algum lugar a esperam
Lancheira no ombro, um par de cadernos na mão
Expressão serena em um olhar para o chão
Cabeça inclinada, sem culpa, porém, pesada
A garota vai...
O clima é frio e o pensamento é distante
Quase sem endereço, sem mais adiante
A estrada persiste entre verdes gramados
Que assistem seu rastro assim desalinhado
Não há sol, não há chuva, não há casas
Nem um sopro de vento se arrasta
Apenas uma garota à caminho da escola

sexta-feira, 23 de setembro de 2011


A MARCHA VERDE OLIVA

A longa marcha ao longe verde
A quem vê de longe uma serpente
Iam soldados carregando nobres sonhos
Às vezes dos mais inocentes

No ritmo preciso, uníssono passo
Carregavam seu cantil, as incertezas
E uma lembrança cheia de acenos
De expressões de dúvidas de suas princesas

Quem na frente vai cruzar meu caminho?
Quando estarei sozinho, de fuzil e baioneta?
Se ferido, não sei, um raciocínio sem clareza

Mas ainda estou aqui, levado pelos coturnos
Enfileirado à tantas histórias de vida
A pensar se o destino podia ser mais soturno

terça-feira, 20 de setembro de 2011


LUA  NAVEGANTE

Hoje a lua parece um barco
Deitada no oceano de negro mar
Parece um arco
Que atira flechas como raios cálidos
Parece fácil
O sorriso aberto e exposto
Em alturas sem fim
Tal qual uma bandeira alva
Dos que habitam lugares sagrados
Compartimentos selados
Neste coração dormente em mim

Hoje a lua está no oposto
Deste céu em luto, em desgosto
Como se algo soubesse, se culpa eu tivesse
Me olha fixo essa lua sem rosto
Eu molho meus pés
Em seu reflexo n’água
Desfaço sua forma cheia de voltas
Revolta minha prece amarga de mágoas
Volto a ser andarilho da noite
Que traz a míngua, revela o açoite
Em poder da lua que hoje é um arco
Talvez seja um sorriso
Ou quem sabe um barco

Navegando, navegando...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

NAUFRÁGIOS  DA  CAMA

Eu estava submerso em ondas tão fortes
Ondas de rádio a me afogar em acordes
De
uma música morna e envolvente
Que me fez pular da cama
Eu estava navegando e acordei
Pus os pés descalços no chão
E me dei conta de que naufraguei
Eu estava à deriva dentro do meu quarto
Exilado de meu próprio sonho
Será que estou suado? Será que estou molhado?
A brisa que me ataca pela fresta da janela
É o resto do vento que me jogava fora?
Preciso dissipar a noite em que estou
Preciso acende-la no interruptor
Preciso me secar daquele amor, que terror
Vejo que navegava inconsciente
Pela orla da sua geografia, quem diria, quanto tempo
Tantas milhas já passadas dessa história
E ainda não me distanciei de tuas ilhas
Um dia eu buscava teu ouro, procurava tua prata
Eu ansiava ficar rico da tua atenção, ser teu exclusivo sultão
Mas não foi assim, a viagem foi insólita e infeliz
Agora acendo a luz e me ancoro em terra firme
É tão seguro estar de dia
Sem os naufrágios da cama
Seus tempestuosos dramas

domingo, 18 de setembro de 2011

MSN

O amor por aqui passou, rápido,
no meio da conversa
onde estávamos na janela,
digitávamos anseios e ele passou,
quase não vimos e talvez não mesmo,
mas ficou seu aroma.
O amor passou como um passarinho,
passou alegre e mensageiro,
piscou e bateu asas.
Nós continuamos debruçados na janela
nos tocando por palavras digitadas,
e cada vez mais encantados
pela colocação de cada vírgula, emotions
e suspiros de reticências...
O amor provavelmente nos tocou
em sua passagem,
quase certo que sim,
roçando leve o suficiente
para nos infectarmos,
assim, tudo está prestes a se perder,
a paz a partir e a loucura a chegar.
Um súbito de arritmia,
e não queremos mais nos despedir.


sábado, 17 de setembro de 2011


IMENSIDÃO  DE  MEIGUICE

Como todos os dias,
espero para te ver passar no fim da tarde e,
assim ter meus poucos segundos de elevação espiritual,
navegar na imensidão de paz que cabe
neste curto momento em que você passa,
apenas passa, timidamente, deixando o rastro de blandície
que lhe transborda tão naturalmente como a flor desabrocha.
Parece que o mundo pára nesse instante.
Toda a realidade submerge
ao abismo oceânico de silêncio estrondoso,
a pavorosa quietude que tenho o dissabor de saber
que só dura esse instante, esse lacônico trajeto.
Eu espero por esse momento sublime todos os dias,
religiosamente, adorador da beleza que passa suave,
deixando seu vestígio de pureza.
Nestes momentos que me apego,
que anseio, acredite, é inevitável meu tormento,
pela felicidade ambígua de nem trocarmos pensamentos.
Os meus, se refugiam ao local desconhecido,
nas sombras dos meus segredos,
longe do seu breve itinerário
e perto do que eu nunca te disse;
que enches meu coração de paz
com tua imensidão de meiguice.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011


SUSPIRO...

Falo baixinho –  Te amo!  
com toda força do meu suspiro.
Te amo mesmo, te amo muito,
e me dói o peito de amar, te respiro.
Amo até não conjugar mais,
até que de tanto amar, te vivo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O TEMPO NÃO DANÇA

O tempo trabalha em silêncio
Em
seu infalível movimento
Ele parece galopar
O tempo não dança
Uma dança leva tempo
Mas o tempo não dança
Não escorrega nem tropeça
Apenas segue em frente
O
tempo não cansa
Ensina sem nada falar
Com a receita da perfeição
Assiste a tudo e não desiste
O tempo não amansa
E seu apetite é voraz
Mastiga os segundos
Devora os minutos
É o invisível monarca
Que nossa vida conduz
O tempo não dança
Seu caminho é reto e constante
Porque não dizer fascinante
O tempo é Deus
Minucioso a nos observar
Esse velho jovem...
À espreita dos momentos

terça-feira, 13 de setembro de 2011


LIBIDO  LIBERTO

Estamos sós
Dentro da imensidão que existe
Em tudo que reside entre quatro paredes
Onde a solidão terá fome e terá sede
Estamos sós
Sem palavras ou gesto fúteis
Sem razões mas providos de instinto
Somos o único par do infinito
Rasgamos lençóis
Nos tornamos uma só carne e uma só alma
Mistura homogenia, morna fusão
Crescente calor para a erupção
Estamos sós
Nos consumindo até o âmago
Devorando macios travesseiros
Desmontando barreiras incolores
Desatando nós
Palavras inaudíveis que não querem dizer nada
Apenas despejam da boca, caem caladas
Desaparecendo em úmido leito
Estamos à sós
Libido liberto, dissipado, quarto quieto
Somos culpados, vítimas e testemunhas
Pedaços do meu dorso em tuas unhas
Estamos à sós
Estamos com o que resta de nós
Estamos felizes como o sorriso lunar
Com a falta de perspectiva de sair do lugar
Quando estamos livres, absolvidos e à sós

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


JANUÁRIA  E  CHICO

Januária, uma morena bonita
que mora ao norte de Minas Gerais,
passa o dia cortando cana.
Também corta corações de papel e de carne.
Tem dias que passa cantando, tem dias que não.
Ela vive com uma família numerosa
dentro de uma minúscula casinha de chão batido.
A localidade se chama Brejo do Salgado
e todos conhecem Januária,
a moça que colhe e bebe a cana, o caldo,
o bagaço e a lama, a morena jambo.
Canta como só ela e encanta como novela,
trama das oito, que poucos podem assistir lá por essas bandas,
poucos se iludem, a maioria apenas luta,
como os cachos de Januária ao vento.
O sal, o suor, a cana.
Ela imagina se deitar na cama,
algum dia na vida, no fim do castigo,
ao lado do velho Chico, seu amor de sempre.
Chico é um viajante enorme e garboso,
constantemente a passar por ali,
ele leva tesouros e os olhos curiosos
dos que habitam os casarões. O velho Chico...
que um dia fez uma pausa em Brejo dos Salgado
e fundou o amor por Januária,
e também a produção da melhor cachaça do mundo.

domingo, 11 de setembro de 2011


POEMA DE ANTE-VÉSPERA

(A Solidão do Espelho)

Da caminhada sem mãos
Me atento ao pássaro no céu
O pássaro sem ninho
Que despenca das alturas
Sem beijar o chão                       
Me atento para a solidão
Noto o cansaço das asas
O bico agônico e seco
De quem nunca pousa
De quem nunca descansa
O pássaro embriagado
De tanto céu azul
De tanta nuvem torta
Oh! Meu Deus!
Pra onde ele vai agora?
Se não há destino nem volta
Não há caminho
Pra fugir, ir embora
O azul anoitece
A escuridão apavora
E o pássaro sem ninho
A vagar chora
Que pena, que rapina
Que vasta incerteza
E deitando-me pra assistir
Do solo, o solo trajeto
Frio e rasante é o medo
(que medo)
O céu parece um espelho.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011


EIS O SONO DA RAZÃO

Que sandice preocupar-se com grãos,
com partículas, farelos e células.
Ter forte elo com a preocupação.
Que sandice envelhecer antes do tempo,
às vezes guardar proventos por prevenção
Que atestado de loucura preocupar-se com o não,
preocupar-se com o sim, preocupar-se em vão...

Eis o corte em minha carne que já não dói,
o sangue que já, não jorra, é a pressa da demora,
dos deuses e dos heróis.
Ou seriam dos astros e dos satélites?
Quão importante seria a relação do tempo
Para despejarmos toda nossa calma
Nas entranhas e minérios da terra
Rumo ao desconhecido e o adeus das palmas

Que ledo engano evitar a imaginação
Não passear pelas idéias repentinas,
Nas breves visitas fora de estação.
Desejos fora de medida, na imagem turva,
Frutos que parecem fora do alcance da mão.
Colossal loucura essa, a dos sensatos
Que acreditam ser leve, o pesado sono da razão.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

TUA  CASTIDADE

Tua castidade
É uma ilha de verdade
Em que ninguém pode dizer: -Não!
Também ninguém pode pedir: - Quero!
Queres não, podes não, fazes não

Tua castidade
É um copo d’água
De pura e cristalina água
De copo virgem e cristalino
E em cristal não se põe a mão

Tua castidade
É de uma pose elegante
É de uma saúde que não gozo
É de uma pele que nem posso
Tocar nem por um instante

Tua castidade
É uma rosa no penhasco
Pensativa e imponente
Estação do desespero
Que tantos querem se jogar

Tua castidade
Haverá necessidade?
Qual chave te liberta?
O que diz essa expressão
Quando tua boca me diz: -Não!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011


ÓSCULO

Nunca miramos, medimos a boca
Sempre se acerta, encaixa-se bem
E como as palavras nunca convém
Te invado como se fosses oca

A língua inquieta como se em jaula
Em luta harmoniosa de prazer
Sem nada a ganhar nem nada a perder
Apenas vê-se a ascensão da alma

Pares de olhos muito bem trancados
Sendo tão inúteis pra enxergar
O que aos corações são confinados

Pares de ouvidos em mar de quietude
Onde a razão jamais vai ancorar
Até o adeus dos lábios, amiúde

domingo, 4 de setembro de 2011


DOMINGO  DE  PÁSCOA

Da multiplicação da tristeza
se fez o cortejo fúnebre.
E levaram a pouca matéria do anjo
por entre as ruas de Baependi.
A manhã sabia e baixou um tempo nublado,
o comércio também, baixou portas lívidas.
Arrastou-se aquela gente dentro do silêncio
e arrastou-se o silêncio na manhã de domingo.
Os passos eram pequenos mas a dor era grande.
Uma criança chorou outras dores,
talvez daquelas que passam rápido.
Os adultos seguiam funéreos.
As casas espiaram, os cães nem ladraram.
E chegaram, ladeira acima, até o cemitério.
Um túmulo logo ocultou a criança ,
aos olhos marejados daquele povo,
que logo dispersou-se
para dentro do domingo de Páscoa que estava em pausa.
A vida segue e logo,
algumas crianças abrirão seus ovos de chocolate.

sábado, 3 de setembro de 2011


FILHO ÚNICO

Eu sou filho único,
do único encontro do mesmo sêmen,
com o mesmo abrigo, o único.
De alguma maneira eu sou sozinho,
uma receita perdida, um beijo doce e longo
de despedida.
Não é curioso? Não é soberbo?
Sou um cometa, sem cauda, sem destino.
Eu sou um homem, embora menino.
Me assemelho aos deuses
E mais quando sou único
Que egoísta que sou quase sempre
Em minha parede cinza está sempre ausente
As cores daqueles momentos ternos
Emolduradas por quadras douradas
Ainda bem que um dia chegou minha amada
Com o dedo em riste nos lábios dizendo:
- Shiiiiiu. Silêncio! Eu vim pra te salvar.
- Eu sou a única que pode e você é único e meu.
- Claro! – completei. – você sou eu, ao contrário.
Perfeita sintonia do universo, na forma do eu, inverso,
nas curvas desta esbelta mulher.
Continuo singular como todos são, porém,
Mantenho a visão multifacetada de quem é filho único,
Me escondo e me protejo, carapaça de caranguejo.
E da dose do teu beijo, vivo mais um dia
Amo tantos meus irmãos, sem aquele laço, sem aquele sangue,
Sem a pesada obrigação de amar, apenas os amo.
No início de cada dia, talvez porque você me abraça
No meio da nossa confusão, morna e sem lei
Não sei onde me termino ou onde te começo, não sei
Já começa a não importar mais estes meros limites,
A partir do momento em que juntos estamos inteiros.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011


MATO

Cresce um mato em meu quintal
que não tem limite em seu desespero.
Cresce em cada vão do cimento
que se rende ao insistente apelo

Não mais incomoda o pé de mamona
que mais que a sombra, me faz pensar
- Que poder é esse da natureza,
que não permite nada em seu lugar?

Não há peso de concreto, nem ferro,
que tenha mais força que a vida.
Não me ocorre outra lógica, quiçá,
Desistir da vã procura da saída

Pois o imponente mato me afronta
Veloz e forte, tal qual um jaguar
Penso: - Que poder é esse da natureza,
que não permite nada em seu lugar?

segunda-feira, 29 de agosto de 2011


QUILÔMETROS  AZUIS

Aqui em minha frente,
na frente do meu descanso,
vejo esse antebraço mas,
me salta aos olhos tão estranho
- em posição de queda-de-braço
- parece ter barriga d’água – não me ocorreu antes,
que fossem tão longas estas veias, silenciosas,
quilômetros de azul por sob esta pele (em mutação constante).
Agora encaro a epiderme com muita atenção,
aquela que não disperso aos transeuntes,
agora vai aos poros, um tanto manchados,
friso a testa com a expressão carrancuda
pois nunca havia reparado tal exclusão,
cemitério de células. Peço licença à tatuagem,
que mora sobre o tépido músculo, tranqüila.
Jogo os olhos sobre os pêlos
e me sinto acuado na árida paisagem.
O sentimento nu e perdido.
Nunca estive aqui.
Nunca estive em mim. Por onde ando?
Tenho manchas pelo corpo, pedaços de madrugada.
Não venta mais pela penugem delgada que se esfacela,
a ainda assim se atropelam até o abismo do corpo.
Há quanto tempo não vejo meu sangue,
que me pergunto por onde ele anda,
nunca mais voltou à maçã do rosto
mas sei que ele ainda vagabundeia,
por quilômetros de estradas azuis.
Ele vai onde eu não vou
e corre amargo em meu sorriso,
descansa em meu pensamento
como que rodaste o mundo.

domingo, 28 de agosto de 2011


ATRAVÉS  DO  UNIVERSO

A resposta está viajando nas costas do tempo,
ou há quem diga que habita seu ventre.
Ela está, e ele, sempre esteve.
Ambos estão a anos-luz daqui, homogêneos,
paralelos ao meteoro que gira imenso e leve,
através do universo.
Se envolvem atrás da cortina negra,
vistos apenas por seleto grupo de estrelas.
A resposta talvez seja rubra,
extraída da pétala-flor,
ou como a lava do vulcão,
escorrendo dos nossos olhos
que por vezes sentem a clara cegueira,
a total escuridão.
Talvez seja fria,
com gosto de bílis
na superfície áspera da demasia.
A resposta é alva.
E para nossa astúcia bifocal
de nada adianta procura-la,
atrás dos sóis e das luas.
Ela está entre o nascimento do astro
e a  enfermidade da Terra,
entre a rotação da esfera
e a galáxia distraída, imersa na espera.
A resposta se forma na poeira cósmica,
através do universo e sob a gestão do tempo,
presta-se somente à seu contentamento.
A resposta espreita.

sábado, 27 de agosto de 2011


HOJE

Hoje percebi,
Que sua voz é inconfundível
Mas depois não consegui lembrar-me dela
Hoje, quando atravessei a rua
Hoje, quando sentei na escada
Hoje, quando olhei o tempo perdido
Da minha casa, na sacada

Hoje, eu me apavorei
Com seu cheiro afrodisíaco
Seu aroma peculiar e tímido, no ar, ao meu redor
Hoje, ao pé da porta
Hoje, no portão da frente
Hoje, no meio do suspiro longo
Caído em sua cama onde sentei demente

Hoje, te olhei demais
Num tempo que não foi suficiente
Me senti pequeno e sem palavras, dormente
Hoje, no fim da música
Hoje, no branco do lençol
Hoje, onde pintamos pistas
Escuras e arredias ao afago do sol

Hoje quase sem querer
Descobri nas coisas desarrumadas
Em que você mexia e relia, o amor
Hoje, no sabor do chá gelado
Hoje, na tarde sem pressa
No imensurável prazer de estar do seu lado