quarta-feira, 31 de outubro de 2012


MARIA JÚLIA

Maria Júlia
Cachinhos amarelos
Sem paralelos
Correndo pelo condomínio

Maria Júlia
Anjo sem fantasia
Faz da poesia
Meu eventual ofício

Maria Júlia
Feita  de caramelo
Correndo sem chinelo
Aumentando meu fascínio

Maria Júlia,
pequena  fagulha
Que caiu do sol
Para bel benefício.

(jul/2008)

terça-feira, 30 de outubro de 2012


ECO  HOSTEL

Do meu corpo em repouso na cadeira grande,
pela manhã, minha mente girava curiosa,
do destino verso ou prosa das palavras de um grego,
despejadas a granel, no infinito branco do papel.
Ele escrevia por horas, a caneta dançava à Ravel.

Da sacada minúscula do hostel, o Rio de Janeiro, 
era insignificante fração, da beleza tanta, do inteiro.
Meus olhos só viam lá em baixo a pressa de quem nunca olha pra cima,
da rua São Clemente que rima, com meu coração dormente, que lastima.

Esquecer um amor em Botafogo era fundamental
mas cheirava a fracasso essa ideia tal,
melhor me ater com amigos novos, que não estão a saber mas são curiosos,
dos olhos estranhos entre as beliches, dos idiomas que nem cabem no ouvido,
 dos sotaques, dos ruídos.

Enquanto portenhas discutem seu passeio,
ou o valor do peso e do banheiro sem asseio,
permanecia meu corpo entre elas alheio,
minha mente sequer tinha ido ao Rio de Janeiro.

Uma belo-horizontina, como só elas quebram barreiras,
pegou minha atenção com todo seu jeito mineiro,
me contou de Roma, me traçou roteiros...
tínhamos sacada e cerveja e, próximo a nós, entre folhas sobre a mesa,
o grego escorria sua odisseia na ponta da caneta.

(Rio de Janeiro - jan/2012)

sábado, 27 de outubro de 2012


ÉBRIO

Tomei um porre esperança estes dias,
e achei graça da vida.
E meus pés não achavam o piso
e já não tinha tamanho o sorriso...
O teor de verde era em demasia,
a cada plano a fantasia
De ser apenas feliz.

Me embriaguei  de sonhos,
no conforto do seu colo,
respirei  fundo ao teu afago,
e quase senti ser  verdade. 
A cidade era pano de fundo
da vontade que eu tinha
De ser apenas feliz.

Fui um homem feliz enquanto ébrio ,
amortecido, pelo éter que exala,
do abismo que cala
o meu coração.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


AOS  IDOSOS

Eu tenho passos contidos que não se apressam
É o máximo que posso dentro de um sacrifício
O meu início? Com muito esforço ainda me lembro
Meu corpo maltratado pelo tempo, pelo ofício

Os anos que se revezam em números nunca interrompem seu trabalho contínuo
A cada temporada percebo que suas pás de metal desconhecido e frio
Cavaram e cavoucaram  e estenderam algumas rugas como ruas paralelas
Ruas como aquelas em que já morri mais um pouco em qualquer fila

Se minha voz fosse um pouco mais alta eu reclamaria
Se meu vulto fosse assim uma figura esguia
Quem se atreveria, quem me desprezaria como hoje
Tolos, multidão de tolos que comprariam por ouro minha experiência
Tenho medo mesmo é da noite, meu algoz, meu açoite
Meu quartinho é pequeno mas eu cuido com zelo

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


ESCADARIA

Ninguém sabe que a escadaria
que leva ao cemitério
também leva à sério os casos de amor...
e seus grandes mistérios.
Ninguém conhece o reencontro
de mãos dadas, exalando pelas escadas
o anúncio de um beijo, os mais íntimos desejos.
Ninguém sabe, mesmo quem mora em Passa Quatro.

Ninguém ouviu o estouro de alegria
que num degrau acontecia, a restaurar-se um tempo,
saudoso tempo.
Um blecaute na cidade, escuridão quiçá em Minas,
fez do céu uma obra-prima
ao convidar milhões de estrelas.
Fez verão em julho quando entrei no seu abraço.

Ninguém suspeita que no fim da escadaria
começa outra história, em que a felicidade é parte obrigatória
e tempera cada palavra, dança com cada frase.
Ninguém imagina que esta cidade dita fria,
só o é para quem não ama,
e não enamora-se na escadaria.

Ninguém reclamaria aquele espaço escarpado
onde estava de lado o que não fosse o recomeço,
o que não fosse a extasia.

sábado, 13 de outubro de 2012


GATUNA

Ela entrou pela janela do banheiro
Sem fazer nenhum barulho
Tal uma serpente no escuro
E ninguém percebeu nada.

Na sala estavam suspensos no ar
Alguns aromas, fumaça e risadas
balançavam copos de whisky
embaralhava-se outra rodada

Ela arrastou-se por atalhos da casa
de mais de vinte e sete cômodos
respirando e pisando feito uma gata
esteve presente sem causar incômodo

Alguns quartos acolheram amantes
E as cozinhas contavam azulejos
A noite não pretendia terminar
E o artista ensaiava um arpejo

Ela levou tudo o que pode
Passando carregada nas sombras
Levou até corações quebrados
Com talento que o dinheiro não compra

domingo, 7 de outubro de 2012


FLORATTA  IN  BLUE

Sentado à pose de Rodin e muito menos emblemático,
sou apenas um homem com memórias, vastas.
No labirinto incrustado dentro do baú
de lembranças colecionadas ou não, há tantas.
Imagens de lábios, rabiscos de olhos salpicados de azul,
outrora castanho, as imagens são múltiplas e sem tamanho.
Campos e bangalôs, ondas, areia branca,
cheiro de chá que é de camomila
ou um livro que breve se termina,
deliciosamente novo, em folha.
Me lembro agora de minha atenção
algumas vezes seqüestradas pelas ‘damas da noite’,
aqui mesmo na vizinhança, rápido crime que perdôo.
E muito prazeres mais guardados nos compartimentos mentais,
auditivos, olfativos... Um se sobressai ligeiramente,
me embriaga de outras tão boas memórias.
O olfato me privilegiou um dia e tenho a grata lembrança
do entorpecimento e teu doce veneno me invadiu pelas narinas.
Confortavelmente anestesiado, talvez,
ante a química da alva pele recebendo a Floratta,
depois disso mais nada.
É ver o mundo parar por um instante
quando essa água das flores na sua pele é sorvida,
inexplicavelmente sedante.