quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012


ALVORADA

Agora que você está aqui,
E mora no meu alcance
Agora que você é real,
Que sinto a tua textura...
O que eu faço?
O beijo só não basta
O corpo só já acaba
E um sentimento transborda
Como um desastre natural
O que eu faço?
Com a tamanha força
Transparente como seu vestido
Com a tamanha chama
Que arde após o libido
O que eu faço?
Com a devastada alma
De muito frêmito não acalma
E tudo flutua, quando inunda,
E muito mais os meus olhos
A transbordar o sal e o calor
A ver no desespero o amor
E no amor, de verdade o primeiro
E agora o eu faço?
Com o que não cabe mais
O que não soa e demais sua
Derrama do peito e escorre,
Espesso tal a lava que tatua
Minha pele já manchada do teu nome

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


FUMAÇA  POR  DENTRO 

Havia umas pessoas se matando
Lá do outro lado das águas
Num barulho muito longe
Distante dos acidentes
Muito longe mesmo das coisas justas
Fazia-se um som bem proposital
E era por sinal...
E uma multidão rangia os dentes.
Pensei ser aquele um exército de carcaças
Que se destruíam ocas e sem almas
E eram mesmo.
Eram pessoas descalças
Com armas na mão e rancor nos olhos
Quanto perigo, meu Deus
Nessa tanta ausência de perdão
Quanta fumaça dentro dos homens
Assim não há alma que respire
Muito menos um coração que enxergue
Onde nem o concreto vive
Nada da terra se ergue
Não ousa, mas haverá quem regue

sábado, 18 de fevereiro de 2012


BALADA DO VENTRE

Quando eu me encontrava
Envolto em tua carne,
Deitado em sua bolsa
À parte dos toques frios
O que eu era? Era bobagem me precipitar

Quando eu estava em sono quente
Entalado em ventre
Estava vivo mas não sabia
Repousava dormente
E o que eu era? Era besteira me adiantar

Quando eu me moldava
Em tua forma a mim untada
Eu era impávido em tua morada
Era isso o que eu era
Um inocente numa quimera

Quando um dia eu pude
Me enterrei no seu colo
Mas o mundo rude a me desencavar
A cada tentativa vã de voltar
Quão inabalável era aquele lugar

Não seria de saudade esse falar
Nem é a verdade o meu intento
Tampouco eu que invento o fato
Invento amores, não o tempo
Mãe, por favor, prolonga esses momentos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012


AMIZADE  MORIBUNDA

Venham ver o que há dentro da caixa de vidro.
Entre por aqui, por entre os arcos das portas.
A amizade está ali, intacta, não morta, mas estagnada.
Sob um lenço de pó. Está ali deitada a pobre, a coitada.
A amizade está em coma, ela já não faz mais soma,
padece estranha.
Eu, assim como muitos, também quero saber o que aconteceu à ela,
outrora singela. Também lanço perguntas a esmo.
Quem adoeceu a amizade?
Terá sido o tempo?
Terá sido o silêncio?
O talvez...Talvez o carpete...
Mais pessoas chegam para constatar o drama,
todos limpando as botas na entrada.
E fazem da pequena casa o grande Museu do Louvre,
olham as janelas como pinturas vivas. Acham Monalisas lá na rua.
Quem olhou pro teto viu semelhança com a Capela Sistina, imagina.
Até Rafael viram. Servi café, servi chá,
depois bolinhos de arroz com atum,
com grande sucesso de apreciação, servi gentilezas.
Alguém mencionou Olimpíadas e assuntos
se locomoviam tal trânsito indiano,
tudo muito confuso mas sem dano.
Daí todos se lembraram de um compromisso,
cada qual com sua urgência, uns iam resolver divórcio,
outros iam resolver carência.
Escoaram todos pelo ralo e pelas frestas.
Até eu me vi no meio de um tumulto qualquer
do dia-a-dia numa esquina lá do centro.
A amizade, moribunda, ficou lá, à sua própria sorte.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

JARDINS  DA  CIDADE


Sob este pedaço de firmamento
Quantas coisas se desenrolam
Pelos jardins da cidade, já nem sei
Apenas notei a manhã serena e despertei
À margem do rio Paraíba
Que divide a cidade na mesma paisagem...

Ao espreguiçar-me em meu berço esplêndido
Numa manhã fria que ao meu Jardim Flórida sorria
Dava pra avistar na margem oposta do rio
Os primeiros movimentos do Jardim Paraíba
As mulheres com seus carrinhos de feira
Da feira de quarta que quase chega à cabeceira
Da ponte primeira que liga dois horizontes...

É uma ótima pedida com certeza
Esta manhã com cara de outono
Pra umas pedaladas sem rumo nem endereço
Da 9 de julho ao Parque Brasil é um bom começo
Pra cair nas ruas largas do Jardim Santa Maria
E gozar da falta de subidas, o que me dificultaria...

Meu pensamento se dispersa sobre duas rodas, a bicicleta
E me pego em alguns lugares que as pernas não levariam
Até minha bisa eu visualizo entre mil retalhos
Costurando suas colchas lá na Vila Garcia, quem diria
São noventa anos de sabedoria, de uma vida que brilha
E vamos embora, agora de volta com os pés
Porque quase já chego no Jardim Califórnia
E tão longe de casa já me desligo outra vez...

Penso no que meu pai estaria plantando
Dentro do seu mundo encantado no Jardim Colônia
Seriam mudas de erva cidreira? Seriam begônias?
Pouco me importa, que fique em paz e se ajeite
Porque pela estrada eu vou até o Jardim Paraíso
Salvo que de bicicleta, só se for muito preciso
Subir a rua 19 então, nem por um ímpeto
Preferiria dar mil voltas no Parque dos Eucaliptos
E vou seguindo...

Corto grande parte do centro
Pela avenida Siqueira Campos
Corto como uma faca que desliza suave,
Corto como um denso rio manso
E ao passar em frente ao Mercado Municipal
Noto as alterações de trânsito, o caos
No acenar dos guardas que fazem sinal
Eu desço um pouco do camelo e vou à pé
E resolvo ir andando até o Jardim São José...

Ainda é cedo e na verdade nunca é tarde
Pra mais umas vagabundas pedaladas
E entro discreto no bairro São João, sem fazer alarde
Há tanto movimento nestas velhas calçadas
Quanto há histórias do Clube Elvira
Eis que faço o contorno e lembro de uma tia
Que eu tenho certeza que há de gostar de mim
Ela mora aqui por perto, na Cidade Jardim
Onde tem até o Cristo...
E ele há de saber que eu existo...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012


COMENTÁRIO SOBRE  VIVIAN

Vivian, a poetisa modesta!
Eu não te defino, de você eu não sei
Eu apenas me ensino com o teu saber
Teu crescer se fez pronto e te expeliu para a vida
Te vestiu de ternura, doce candura, minha querida
És amiga da noite e do silêncio que há dentro
Não há quem não tenha em você contentamento
Navega, navega, se entrega aos olhares
Dos teus amigos loucos, lúcidos sem pares
Aos equilibrados, ainda que mal amados
Aos de felicidade plena em serena hipnose
E também dos gritos e gemidos longes
Que só teu coração enxerga de quem são e de onde
A gente vem sim te procurar de noite
Vem porque não há limite para os corações afoitos
Em se aninhar por perto de quem tem ao certo
Um pouquinho de paz e uma palavra amiga
E minha amiga...como é bom saber que nos espera
E esperamos saber se sua crua alma sincera
Nos dará a mão através desse mal tempo
Desse mal invento que circula no dia-a-dia
Só prometa que a noite nos contará a história mais bonita
Mais cheia de graça e de mais pura harmonia
Como um anjo, armado apenas de dourado banjo
E cantar em pensamento alto as canções de amor

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


AGORA 

Agora, por estes dias tão atípicos,
te amo da maneira mais desconhecida,
sem saber o tanto, e tampouco de quando.
E agora te amo tão de repente que parece desde sempre,
parece desde antes do próprio amor.
Agora eu vejo tão próximo
a ambigüidade intensa entre a euforia e o medo,
um duelo que parece não caber na alma,
e aflora na pele, navega nos olhos.
Tudo porque você mudou-se pra dentro de mim, agora,
que irremediavelmente te amo.
E já não caibo no corpo com destreza
e nem saio de mim com certeza.
A certeza fugiu no silêncio dos teus passos.
Agora, quando se aninha no meu corpo,
peço para os meus pecados todos os perdões,
peço cada instante e cada um deles, todos de uma vez,
e se cada instante meu for o mesmo instante seu,
que seja de uma vez e seja agora.
Que seja meu, seu, e suavemente nosso.