quinta-feira, 27 de outubro de 2011


A DANÇARINA NO ESCURO

Havia uns meninos empinando pipa
Na rua de casa ao anoitecer
E ficaram ali indiferentes ao cair da noite
No meio da rua, no meio das calçadas
Eles empinavam o nariz e fitavam
A dançarina frágil de papel
Que se perdia no escuro
Haviam dois em cima do muro
Haviam três ao lado da escada
Havia nada além do diálogo mudo
De tanto que se concentravam

Os meninos não tinham mais casa
Nem fome nem nome já eram lembrados
Tinham somente o medo que extravasa
De perderem seu ponto, de cortarem seus laços
O sobrenome então, menos importa
E eis que algo os força a correr desesperados
É a dança que descompassa no lenço negro
Ainda é visível ao longe o desassossego
A dançarina que cai e rodopia sem pressa
Já entre estrelas que só os meninos enxergam
Linha tênue no teto de ébano

domingo, 16 de outubro de 2011

MANCHETE  EM  MINHA  MÃO

A cigana abriu a minha mão
E leu uma manchete interessante
Dizia que abaixo da linha da vida
E acima de qualquer suspeita
Não existe pessoa perfeita
Apenas a que sirva pra mim

A cigana abriu seu sorriso de ouro
E disse que nas entrelinhas do dia a dia
Existem incontáveis tesouros
Enterrados bem embaixo de nossa pressa
Disse a ela que isso muito me interessa
E me dei conta que a ganância não tem fim

A cigana abriu o seu conselho
E enquanto ajeitava seu vestido
Me senti confuso em seu colorido
Minha mão suava nas três linhas
E havia tanto escrito que não tinha
Que não foi possível me lembrar

A cigana abriu enfim a sua mão
E em suas três linhas eu pus três moedas
Agradeci a consulta que nunca marquei
E o que dizia em minha manchete já não sei
Talvez seja pra que eu tome mais cuidado
Pra quando o arco-íris cair na rua
Que atravesse pro outro lado

sábado, 15 de outubro de 2011


NOTÍCIA  EM  BRANCO

A banca de jornal
não exibia notícia nenhuma pela manhã
mas o amor fugiu.
Não tinha manchete nem uma pequena nota
mas a dor é grande.
Chafurdei até o jornal de concursos, nada.
Fofocas também não fizeram
e o mundo está indiferente.
Não há pistas nem maiores informações
e seu paradeiro é incerto.
O amor não é visto em lugar nenhum
e está estampado nos cartazes de desaparecidos,
pelas ruas do meu universo íntimo. Sim!
Procura-se o amor, desesperadamente.

Estações e canais não dizem nada sobre a tragédia
e omitem o apocalipse.
Pessoal; o amor pode ter morrido!
As páginas da internet não debatem o tema
e é este entre os grandes, o maior dilema:
Como viver sem o amor?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

INOCÊNCIA  DE  SAIA

Um pouco de saia de muito assanhada
De pano não muito, mas muito alvoroço
Pelo pouco pedaço que favorece o espaço
Que sobra pra carne, que envolve o osso

E as duas pilastras já levam as saias
Que envolvem a estátua morna e formosa
Finge que ali mora pra proteger o pecado
Que teima em passear sem a prudência do lado

Vai bela forma, com teu ventre rosado
Adornado em saia que acompanha o gingado
Flerta com o vento que a flutua calado

Vai inocência, atormentar os desocupados
E os que prestavam a atenção até passar do teu lado
Veja quanto perder, no seu corpo é achado

sábado, 8 de outubro de 2011


CHINELINHO

Ao passar pela sala é tão bom ver seu chinelinho,
que você deixou no canto da porta como um vigia,
o parzinho pequeno que teus pés
já levaram agora leva meu pensamento,
a cada vai e vem.
Eles parecem com seu sorriso maroto,
ali no cantinho, parece que encolhem um pouco
numa súbita falta de jeito, passageira.
São chinelinhos serelepes marcando território,
como você quis, lá ficaram.
São de número 35 e parecem menores,
mas muito melhores nos seus pés.
Me observam como se tivessem seus grandes olhos verdes...
Sei que vejo demais, mas nada é capaz
de afastar certos desejos, às vezes medos,
enfim, mas sei que você volta.
Pra encaixar seus pezinhos nas tiras prateadas
do chinelinho que reside ao pé da porta.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011


DISSIDÊNCIA

Você é o sol da minha meia noite
Que amo tanto mesmo estando ausente
Essa distância é apenas um açoite
Em que a dor escolheu pra ser nascente

Assim me aqueço nos mínimos raios
Que chegam pálidos e preguiçosos
De sonhos guardados em mil balaios
Me sorriem os dentes mais viçosos

Se guardo ainda na boca o teu gosto
É porque não fui capaz de expeli-lo
Mas traga-lo seria um suicídio

È sermos opostos, o meu desgosto
Qual imponente, não posso feri-lo
Intocável fado, nosso dissídio

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


VOCÊ  NÃO  DEVE  SABER 

Essa nova moradora que carrego
Essa força maior que me arrasta
Essa estranha paixão que já não nego
Essa solidão que da mente se afasta

Você não deve saber que anda subindo num palco
E protagonizando minhas melhores emoções,
Tudo isso quando se fecha as cortinas dos meus olhos
E permaneço só em meu silêncio interior,
Apreciando sua interpretação sobre o que é o amor
Como é linda a cachoeira das palavras que despeja
E incerto meu barco que em teu mar já veleja

Eu estou aprendendo todos os dias
Ensinando minha dor a calar
Estou domando os sentimentos afoitos
Sabendo que posso e consigo esperar

Você nem deve saber dos oásis de um deserto
Nem saber que de mim mora tão perto
Desconhece as aflições de um silêncio
Incenso que queima sem aroma, sou
Sabe, sei lá, acho que na verdade...
Você não deve saber

terça-feira, 4 de outubro de 2011


MAIS QUE UM LUGAR ENTRE SEUS ESPAÇOS

Não preciso de bocas, braços
Ou de um lugar entre seus espaços
Eu preciso de um amanhã
E um depois, com planos à dois
Sem intervalos ou intervenções
Quero toda tua lava em erupções
Eu quero teu âmago, quero teu perfume
Quero desde o pé subindo até o cume
Quero por inteiro de janeiro à janeiro
Ver a solidão sucumbir de joelhos
Quero arar sua alma com as próprias mãos
Plantar em nossa vida, mais uma, por que não?
Quero amor presente e integral
Sabe bem que isso nunca faz mal
Quero também a sua amizade
Com boa dose de cumplicidade
Sair de mim só nos teus momentos de loucura
Pra voltar tranqüilo, ambos com a alma mais pura
Mas que não seja apenas bocas, braços
Ou um lugar entre seus espaços
Preciso mais que meia hora e um cansaço 

domingo, 2 de outubro de 2011


O DIA EM QUE O DIA NÃO ACABOU

Naquela fatídica tarde
O sol se enroscou no horizonte
E sem muito alarde
Pairou imóvel atrás dos montes

Cessou na igreja a chuva de arroz
Paralisou-se a obra do metrô
Estagno-se o astro onde ninguém o pôs
Chegou o dia, como dizia meu avô?

As crianças brincando no parquinho
Não entendiam aquela agonia laranja
Até um cego estranhou um pouquinho
E uma mulher perdera sua colher na canja

Nunca desejaram tanto o escuro
Para dentro desse dia eterno
Todos queriam provar ser puros
Mas seus pecados não cabiam no terno

E o sangue do sol espalhou o vermelho
Tudo na terra e na água ficou vermelho
Todos que roubaram para não entrar no inferno
Sem exceção, em vão, se puseram de joelho