quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


O BALÉ DAS CORES 

Existe lilás na borda do amanhecer
Existe aliás outras cores a se perfazer
Existe sei lá, intervalo entre a dor e o prazer

Existe vermelho no lábio das rosas
Curvas generosas, estreitos caminhos
Aroma calado em linguagem de prosa

E o amarelo, fruto em queda livre
Das mãos da mãe ao solo, teu colo                  
O ciclo que gira o mundo e teu tudo                

Astro soturno suspenso no negro
Figura entre as linhas do meu desapego
Nas áreas baldias da solitude minha

Eis que no desabrochar de uma alegria
Quando o sol craveja suas espadas brancas
Eu suspiro aliviado as restantes energias

E num sorriso bege eu contemplo o céu azul
Anil, febril, rabiscado de cinza ao meio-dia
Porém vestindo de verde a esperança que já caía 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


A  PALAVRA  LANÇADA

Numa discussão as palavras viram facas
e todos saem cortados, feridos,
com suas almas rasgadas, mutiladas.
Aquelas frases que atravessam a carne.
Aquele som surdo de estilete.
E ‘ai’ de quem fica na frente,
daquelas letras juntadas às pressas,
daquelas mentes que mentem depressa,
ou despejam verdades que matam

Assim são as trocas de ofensas.
Esse equilibrar sobre a escada pensa
em que ninguém vai a lugar nenhum.
Depois vem o amargo da boca seca,
a digestão que de maneira alguma se faz.
Nuvens negras.

Depois, todo silêncio incomoda
pelas horas que se seguem mornas
correndo entre as ruínas e suas almas tortas.
Expressões inquietas e gestos poucos...
Dejetos que não se limpam.

A palavra que é lançada, nos dizendo, apontando
Sem ensaios, adornos ou economias.
Depois nem adianta tentar se aquecer
Nesse ambiente de ruínas frias...

quarta-feira, 31 de outubro de 2012


MARIA JÚLIA

Maria Júlia
Cachinhos amarelos
Sem paralelos
Correndo pelo condomínio

Maria Júlia
Anjo sem fantasia
Faz da poesia
Meu eventual ofício

Maria Júlia
Feita  de caramelo
Correndo sem chinelo
Aumentando meu fascínio

Maria Júlia,
pequena  fagulha
Que caiu do sol
Para bel benefício.

(jul/2008)

terça-feira, 30 de outubro de 2012


ECO  HOSTEL

Do meu corpo em repouso na cadeira grande,
pela manhã, minha mente girava curiosa,
do destino verso ou prosa das palavras de um grego,
despejadas a granel, no infinito branco do papel.
Ele escrevia por horas, a caneta dançava à Ravel.

Da sacada minúscula do hostel, o Rio de Janeiro, 
era insignificante fração, da beleza tanta, do inteiro.
Meus olhos só viam lá em baixo a pressa de quem nunca olha pra cima,
da rua São Clemente que rima, com meu coração dormente, que lastima.

Esquecer um amor em Botafogo era fundamental
mas cheirava a fracasso essa ideia tal,
melhor me ater com amigos novos, que não estão a saber mas são curiosos,
dos olhos estranhos entre as beliches, dos idiomas que nem cabem no ouvido,
 dos sotaques, dos ruídos.

Enquanto portenhas discutem seu passeio,
ou o valor do peso e do banheiro sem asseio,
permanecia meu corpo entre elas alheio,
minha mente sequer tinha ido ao Rio de Janeiro.

Uma belo-horizontina, como só elas quebram barreiras,
pegou minha atenção com todo seu jeito mineiro,
me contou de Roma, me traçou roteiros...
tínhamos sacada e cerveja e, próximo a nós, entre folhas sobre a mesa,
o grego escorria sua odisseia na ponta da caneta.

(Rio de Janeiro - jan/2012)

sábado, 27 de outubro de 2012


ÉBRIO

Tomei um porre esperança estes dias,
e achei graça da vida.
E meus pés não achavam o piso
e já não tinha tamanho o sorriso...
O teor de verde era em demasia,
a cada plano a fantasia
De ser apenas feliz.

Me embriaguei  de sonhos,
no conforto do seu colo,
respirei  fundo ao teu afago,
e quase senti ser  verdade. 
A cidade era pano de fundo
da vontade que eu tinha
De ser apenas feliz.

Fui um homem feliz enquanto ébrio ,
amortecido, pelo éter que exala,
do abismo que cala
o meu coração.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


AOS  IDOSOS

Eu tenho passos contidos que não se apressam
É o máximo que posso dentro de um sacrifício
O meu início? Com muito esforço ainda me lembro
Meu corpo maltratado pelo tempo, pelo ofício

Os anos que se revezam em números nunca interrompem seu trabalho contínuo
A cada temporada percebo que suas pás de metal desconhecido e frio
Cavaram e cavoucaram  e estenderam algumas rugas como ruas paralelas
Ruas como aquelas em que já morri mais um pouco em qualquer fila

Se minha voz fosse um pouco mais alta eu reclamaria
Se meu vulto fosse assim uma figura esguia
Quem se atreveria, quem me desprezaria como hoje
Tolos, multidão de tolos que comprariam por ouro minha experiência
Tenho medo mesmo é da noite, meu algoz, meu açoite
Meu quartinho é pequeno mas eu cuido com zelo

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


ESCADARIA

Ninguém sabe que a escadaria
que leva ao cemitério
também leva à sério os casos de amor...
e seus grandes mistérios.
Ninguém conhece o reencontro
de mãos dadas, exalando pelas escadas
o anúncio de um beijo, os mais íntimos desejos.
Ninguém sabe, mesmo quem mora em Passa Quatro.

Ninguém ouviu o estouro de alegria
que num degrau acontecia, a restaurar-se um tempo,
saudoso tempo.
Um blecaute na cidade, escuridão quiçá em Minas,
fez do céu uma obra-prima
ao convidar milhões de estrelas.
Fez verão em julho quando entrei no seu abraço.

Ninguém suspeita que no fim da escadaria
começa outra história, em que a felicidade é parte obrigatória
e tempera cada palavra, dança com cada frase.
Ninguém imagina que esta cidade dita fria,
só o é para quem não ama,
e não enamora-se na escadaria.

Ninguém reclamaria aquele espaço escarpado
onde estava de lado o que não fosse o recomeço,
o que não fosse a extasia.

sábado, 13 de outubro de 2012


GATUNA

Ela entrou pela janela do banheiro
Sem fazer nenhum barulho
Tal uma serpente no escuro
E ninguém percebeu nada.

Na sala estavam suspensos no ar
Alguns aromas, fumaça e risadas
balançavam copos de whisky
embaralhava-se outra rodada

Ela arrastou-se por atalhos da casa
de mais de vinte e sete cômodos
respirando e pisando feito uma gata
esteve presente sem causar incômodo

Alguns quartos acolheram amantes
E as cozinhas contavam azulejos
A noite não pretendia terminar
E o artista ensaiava um arpejo

Ela levou tudo o que pode
Passando carregada nas sombras
Levou até corações quebrados
Com talento que o dinheiro não compra

domingo, 7 de outubro de 2012


FLORATTA  IN  BLUE

Sentado à pose de Rodin e muito menos emblemático,
sou apenas um homem com memórias, vastas.
No labirinto incrustado dentro do baú
de lembranças colecionadas ou não, há tantas.
Imagens de lábios, rabiscos de olhos salpicados de azul,
outrora castanho, as imagens são múltiplas e sem tamanho.
Campos e bangalôs, ondas, areia branca,
cheiro de chá que é de camomila
ou um livro que breve se termina,
deliciosamente novo, em folha.
Me lembro agora de minha atenção
algumas vezes seqüestradas pelas ‘damas da noite’,
aqui mesmo na vizinhança, rápido crime que perdôo.
E muito prazeres mais guardados nos compartimentos mentais,
auditivos, olfativos... Um se sobressai ligeiramente,
me embriaga de outras tão boas memórias.
O olfato me privilegiou um dia e tenho a grata lembrança
do entorpecimento e teu doce veneno me invadiu pelas narinas.
Confortavelmente anestesiado, talvez,
ante a química da alva pele recebendo a Floratta,
depois disso mais nada.
É ver o mundo parar por um instante
quando essa água das flores na sua pele é sorvida,
inexplicavelmente sedante.

domingo, 30 de setembro de 2012


KELLY  AMARELA

Kelly Amarela nunca mais me ligou.
Bem na verdade ela nunca o fez.
Meu lamento de muitos anos,
Ilhados anos. Seu cabelo amarelo
Ainda brilha na minha memória,
sempre adornando o conjunto da escola,
sempre um sorriso perfeito. Dentes muito alvos.
Gostaria de encontra-los nem
que fosse num caminho de cobre,
em cima do poste, num satélite qualquer.
O que importa? Podia ser na padaria
onde a gente comprava chiclete
e vendia infância aos quatro ventos.
Uniforme azul, manchas de suco.
Quero saber é o que ela faz desde a 4ª série.
Se ela toca um instrumento ou pedala no domingo,
se lembra da professora Marisa
ou guarda sapos de pelúcia,
se casou na igreja ou amasiou-se,
se respira...
Kelly Banana minha amiga,
tão próxima já foi.
Kelly Aparecida na chamada de aula.
Hoje não sei seu número, nenhum deles.
Sabia que ela estaria no Santaninha bem cedinho,
na carteira do lado, sem nenhum espaço.
Em que página da vida você ficou?
Pó de giz na mochila, lápis apontado
em tantas voltas dentro daquele cabelo armado, amarelo,
milhares de túneis sem volta,
milhares de mãos que disseram adeus.
Lembra do Michel e da Rosária?
Eu não. Preciso esquecer pra seguir em frente inteiro.
O gosto da merenda é que não muda,
aquela sopa ainda vive nos arredores de minha língua,
ainda me afoga de saliva. Mas você, Kelly Banana,
às vezes me mata de saudade, das letras tortas, ébrias,
que se encontraram num caderno
e se deitaram na eternidade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


ZEPELIM DE CHUMBO

Os homens arranham a primavera
com o espinho das flores e,
atravessando a seu modo tempos bons, tempos ruins
e o marasmo, eles constroem a batalha de sempre.
Destroem sem piedade,
os templos sagrados de sua confiança.
Corpo atordoado e confuso aprisionando a alma pequena,
eles ouvem mas não distinguem sons
pois o  colapso na comunicação se fez.

Quatro homens sobem a escada para o céu
entoando a ‘Canção do Imigrante’.
Apesar da fraqueza de suas vozes,
a canção continua a mesma.
Suas mulheres já foram despedaçadora de corações
mas o amor era nobre, mesmo de cobre,
era um bocado de amor. 
O choro galopante dessas coitadas
doía e pesava como um zepelim de chumbo,
as dores do mundo as encaravam
como a noite vestida de cachorro preto.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


VELHA NOVIDADE

Sobre o amor, tudo já foi escrito.
Qualquer linha que eu tecer, será redundância.
Tudo já foi falado, já foi ouvido.
Quais são as novas desse tema?
Desse milenar problema?
(problema que resolve muitas vidas)
Não! Não vou divagar o assunto batido!
É isso. Tudo já foi dito.
O amor já foi adornado de flores,
comparado à luas e passarinhos,
já foi tese, vermelho, já foi mil motivos.
Aborreceu-me folheá-lo nos livros.
O tal amor.
Foi, é nesse momento, será.
Um velho conhecido, fóssil, por assim dizer,
uma árvore já carregada demais de adjetivos.
Não vou acrescentar bobices. É deveras chato.
Todos já provaram desse devaneio.
Mas... Você faz com que eu ache a última novidade.
Ao te ver, o amor é sempre a última palavra a ser dita.

sábado, 22 de setembro de 2012


SIMPLES COMO UM TOMATE

Gosto do gosto de tanta coisa,
do gostar de tudo um pouco também me abraça.
Do cheiro de terra molhada,
depois que a chuva visita uma praça, ou jardim qualquer.
E meu jardim tem rosa, arruda e tomate.

Me renova o sol da manhã no inverno,
e ficar sob ele até parecer que não tá frio,
até parecer que massageia os ossos...
os raios alcançam o que não alcança o inverno inteiro,
meu coração, minh’alma e o tomateiro.

Gosto do cheiro do meu molho
casado com o creme de leite,  sobre o macarrão,
com o queijo parmesão ralado na hora
em tiras longas, se espreguiçando entre a fumaça
com seus braços amarelos.

Gosto de pensar que a felicidade
é mesmo muito fácil, se planta
com a mão bem suja de terra e de perdão,
que a vida e os sorrisos são assim, sem outra forma que se relate,
simples, tão simples como um tomate.

domingo, 16 de setembro de 2012


INSÔNIA

O que faz as horas perambularem
Através do silêncio da noite?
Elas esperam...
E às vezes parecem sentar-se
À espreita de si mesmo
Eu estou aqui,
Na penumbra,
Abraçado por este sofá
De grandes braços castanhos
Tal qual um monarca
Introspectivo e vazio
Sinto-me até suspenso,
No meio de tudo, ao centro e avulso
Na palidez perpétua do momento.

domingo, 9 de setembro de 2012


TARDE  INSÓLITA

Entusiasmou-se ao dizer ir pra aula, cínico
E caminhou ligeiro com sorriso pândego
Imaginou ser dos espertos o mais sábio
E a certeza de ganhar a tarde por seu mérito

Encontrou a turma e fez sinal em código
Gesticulou a façanha quase em mímica
Dizendo baixinho em tom de cântico
Que fariam da tarde um tempo vândalo

Trataram de tornar a arte válida
E da primeira parte já era virada a página
O álcool se apresentou como rainha líquida
 E todos concordaram na viagem úmida

Chegaram ao destino como sombras trôpegas
Com a alma aprisionada nestes corpos mórbidos
Mas valiam-se da adrenalina para o fôlego
E abriu-se a represa como se chutassem a válvula

Avistou-se a pedra que lançaria os movimentos flácidos
Rumo ao espelho d’água de um escuro pálido
Só cessaram quando o primeiro tornou-se vítima
E retornou do fundo imóvel após chocar-se ao sólido...

Entusiasmou-se ao dizer ir pra aula, cínico
E caminhou ligeiro com sorriso pândego
Imaginou ser dos espertos o mais sábio
E retornou do fundo imóvel após chocar-se ao sólido...

domingo, 26 de agosto de 2012


PELAS NOITES ESCURAS DE JACAREÍ
(Ao amigo Cleber Willian)

Você, caríssimo conterrâneo, poderia estar matutando
num daqueles becos escuros de Nova York, sem saída,
rodeado por escadas de incêndio, caçambas de lixo e
poças d’água.
Como revérbero, a lua.
Você poderia estar lá, sentado como num escritório particular e público,
em frente a uma máquina de escrever do século passado,
olhando a fumaça do seu cigarro subir por entre as gotas da chuva fina.
Um paletó surrado e uma garrafa de Jack Daniel’s,
gatos sarnentos na espreita, observando a ébria inspiração.
Seria cinematográfico. Não seria, Sr. Willian?

Mas o seu beco escuro está aqui em Jacareí,
em qualquer canto da cidade,
dentro de algum quarto meio iluminado talvez mas,
você deve pairar no ambiente com a mesma expressão reflexiva,
rodeado da mesma fumaça de cigarro, a debater com sua rebordosa,
questões de repertório, o sexo, a vida e a alma. Como será o próximo ‘curta’?
Em longas tragadas o amigo pensa, eu sei. Long Beach? Talvez.
O teu talento germina por aqui, sem a chuva ácida da ‘Grande Maçã’,
sem o agrotóxico capitalista, entende? Tua poesia está por aí,
pelas noites escuras de Jacareí.

Mas digo ao amigo Cleber Willian que sua reunião
de palavras foi saboreada ao som de Tom Waits
ao qual achei apropriado, foi na medida do possível compreendida,
ou não, mas pra que compreensão?
Somos o que somos e você é singularmente o contista,
autobiográfico, cínico, calmamente desesperado,
bêbado e lúcido.
Boa sorte!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012


SOPRO  AO  MÁRMORE 

O soçobro se deu lá no fim da escada
Do sopro que empurrou das mãos,
O último beijo, o último gesto,
O último suspiro anunciando o fim

E parece que fiquei por alguns meses
À decorar o corrimão, tal imóvel estátua
Uma figura de mármore, gelada e pálida
Sim, fiquei ali por um bom tempo

O esboço do adeus se deu na fachada
Uma hora antes haviam morrido as palavras
E escorreu o medo pelas menores frestas
E se fez geada em pleno dezembro

O sopro se misturou ao ágil vento
Que correu mundo afora, sem retorno
Respiro apenas ares de doce veneno
Que me rodeiam na varanda abandonada

Nem a roseira se compadeceu
Se curvou até mim, num outro adeus

sábado, 4 de agosto de 2012


A COR E O GOSTO DO MEU TEMPO

O futuro é um árvore
Em formato de interrogação
Sem época para dar frutos
De uma vida certa ou não

O presente é uma mesa posta
Farta ou magra de realização
E tudo o que ali me olha
Diz que existe em minha função

O passado é um saco de adubo
Que levo, abro e sujo minha mão
Com ela aro cada vez mais fundo
É meu dever de casa, minha lição

O presente, o passado, o futuro
Vestidos de dias claros e escuros
Já foram e serão páginas brancas
Que a gente tinge e borra de ilusão

sexta-feira, 3 de agosto de 2012


SER FELIZ DE FATO

Existem muitos momentos felizes na vida
mas nenhum deles é comparado
ao êxtase da página do amor,
o amor correspondido,
o amor que é degustado
e aproveitado ao sumo,
ao todo e de tudo.
Este deve ser o grande troféu da vida
e para ganha-lo é preciso perder os limites,
perder a cabeça e o juízo,
se embriagar de incerteza
E pular o precipício, despido de purezas.
São só regras do início.
È ser cego e ser surdo,
e assim feliz ao extremo.
A felicidade de amar e ser amado é imensurável,
canteiro ilimitado de poesia,
verso e prosa, berço da arte de primeira grandeza,
é cheiro de rosa, é enxergar com clareza,
mesmo nas trevas,
é viver um ardor que não sossega.
O estado bruto da felicidade é o amor,
receio que tê-lo seja viver e ser feliz de fato.

sábado, 28 de julho de 2012


ISCAS  DE  ILUSÃO

A beleza é uma isca que nos leva à mordida
Mas nem sempre nos fisga.
Nem sempre nos risca de alucinação.
Falo apenas da máscara da alma,
Da superfície que temos na palma da mão,
No entretenimento dos olhos.

Os cartazes estão espalhados pela cidade,
As luzes estão sobre os outdoors
Mas não iluminam mais que o dia
Mostrando que em todo lugar há maldade
Então vejamos sempre pela luz do sol
Pois estamos às voltas com iscas no anzol

A beleza dourada da tua pele
É inimiga mortal do tempo
E se desafiam numa constante
Até que a segunda vence
E a primeira, caída, se rende

Ela é muito bonita mas não sabe
Que isso só não cabe
Nas medidas que cativam.

quinta-feira, 26 de julho de 2012


QUANDO A GENTE SE CALA 

Quando a gente se fala,
Sabe, meu amor,
Quando a gente se fala...
Por um bendito fio de cobre
Que seja...mas o que eu quero dizer é,
Que quando a gente se fala,
Sinto o calor do sol
Atravessar minha carne
Como só uma estrela dessa consegue
E os raios aquecem  meu coração alucinado
Ele bate louco e surtado
E esse encontro é forte
Esse encontro é muito forte
E se fosse da mesma quantia a sorte...

Da mesma maneira eu noto que,
Quando a gente se cala,
Há tanto alvoroço quando a gente se cala
Que parece um mar de desgosto
Eu vejo tudo fugindo ao oposto
E é realmente similar a morte
Esse momento quando a gente se cala
Nada é mais cinza e sem graça
A distância se multiplica entre o quarto e a sala
Permaneço imóvel e sozinho no escuro
Com meu coração que só a esperança ampara
Desacelerando, parece um peixe fora d’água
Pulsando menos e menos e menos...

quarta-feira, 25 de julho de 2012


OLHA  LÁ  O  MARROM

Olha lá o Marrom, tocando pandeiro no bar
Como se o dia nunca mais fosse acabar
Como se cada batida fosse o jantar
E como faz a morena jambo sambar, suar, se acabar

Olha lá o Marrom, acordado de algum lugar
Que improvisou como leito pro seu descansar
Como se cada amanhecer fosse a procura de um lar
Como a certeza de que dele não há par, ele é singular

Olha lá o Marrom, pedindo vaga pra jogar
Como se ninguém ali fosse do seu patamar
As quatro linhas e a trave retangular
Mais que isso só uma nêga pra amassar, amar, beijar

Olha lá o Marrom, trazendo o passado a chorar
Lamentando os erros, tropeços a sussurrar
O rio de desespero que não encontra o mar
Mas olha lá o Marrom voltando a batucar
Olha lá o Marrom a sonhar, se gabar, a enfeitar, a enganar
Olha lá o Marrom chegando pra almoçar

terça-feira, 24 de julho de 2012


ODE À BUNDA PERFEITA

Não sou um brasileiro nato, se acaso é fato,
que se deve apreciar o belo traço feminino,
por sua retaguarda.

Mas...

Preciso comentar daquela bunda,
a que vejo todos os dias
no mesmo horário, em minutos vários.
Preciso ao menos tentar explicar
como é bem feita, charmosa e eleita,
dentre todas  as bundas a perfeita. 

Vocês não estão entendendo!

Sei que é fadado, e não tarado, ao fracasso
o tento de  explica-la e até desenhá-la,
mas sendo da corte ou da senzala
o gene é perfeito,
aquele que esculpiu  tal glúteo,
tal feito.

Sim, é preciso muita engenharia corporal
pra eu me dispor em um sarau.

Ela ainda malha,
talvez ciente e orgulhosa de posse,
ela mantém seus dotes.

Ela ainda falha, desastradamente,
Para que os olhos afoitos parem
de segui-la, de espia-la...

E nem citei o decote, teceria outra ode.

                      

sábado, 30 de junho de 2012

ARTE  D’ÁGUA

A água sob a ponte, escutando sonatas
Corre tranqüila, corre sem pressa
Escorre depressa enquanto se arrasta
É o ritmo das águas...

Não se apressam nem esperam
Estas silenciosas águas

As que despencam das encostas
E em altos tons se mostram
Parecem-se com os véus das noivas
São alvas e são charmosas

São as águas...

São as que lavam nossas mãos calejadas
São as que tiram nosso sono se geladas
São as claras, são as vivas, são aquelas
Que o artista utiliza em sua aquarela

Água do meu mar aberto
Descoberto...por meio das águas
Descubro que tua briga com as rochas
É antiga e salgada história de mágoas

quarta-feira, 30 de maio de 2012


SORTIE

A solidão de Paris é grande, luminosa, um absurdo,
nunca estive tão só entre milhares de pessoas, 
um pária, uma sombra.
Tentei construir pontes, muitas vezes,  
engenheiro frustrado que fui,
mas essas construções só aceitam tijolos franceses,
assim, não pude atravessar barreiras, todas elas,
que me deixaram à mercê do isolamento,
entre a multidão de transeuntes de Barbès Rochechouart.
Meu mapa foi meu amigo e confidente,
testemunho das placas que meus passos não alcançavam,
dos destinos distantes para um forasteiro,
e dos olhares perdidos.
Na cidade luz a claridade é fria,
talvez só para mim, mas deixo registrado um sorriso
para a placa Sortie.

O AMOR REPELENTE

E nos encontramos diante de nossa história
Feita de recusas e desencontros
Um jogo de perigosos danos
Na mão do tempo e seus obscuros planos

Percorremos essa estrada cada qual na contra-mão
Eu digo “sim”, você diz “não”
Eu sou crime e você é perdão
Talvez nos encontremos mas não há previsão

Eu sou a lua do teu meio-dia
Do dia mais quente, mais sem aparente
Nele sou a nuvem fria

Sou o sol da sua noite mais escura
Desse destino que tropeça, na lenta pressa
Dessa distância que perdura

quarta-feira, 25 de abril de 2012

DESPEDIDA SEM ADEUS

Minhas frases cálidas te banharam
Te imergiram num calor desconhecido
E talvez tenham te assustado pelo brilho
Desse verão fora de época, nesse frio

Nossas viagens marítimas se perderam
Em algum ponto desse traiçoeiro mapa
E quando quisemos achar as palavras
Elas se viram sem poder dizer mais nada

Agora estamos em terra e por terra se foram
Algumas considerações a serem feitas dessa odisséia
Desse amor que atuou sozinho e nunca se fez por platéia
Eu nunca quis ser essa sua riqueza
Que você gostou sem nunca ter gastado
Nem fabricar esse amor que mora longe, longe do teu lado

terça-feira, 24 de abril de 2012

BEIRA-RIO

Vou me sentar na praiazinha
Pra tentar relembrar minhas tardes de futebol
A busca da bola que insistia em cair no rio
Os pés esfolados de gastar a bola
Ambos arranhados de tanto combate

Os pés na bola no rio

Como era bom aquele tempo
De cansaço que quase não se via
Do correr sem hora pra parar
Nem vontade havia pra descansar
Apenas o jogo de areia e bola

Os pés na bola no rio

Tantas tardes estendidas
Esticadas até o anoitecer  mal vindo
Onde agora mal se enxergava o amigo
E pouco nos importava a hora
Enquanto que tínhamos tudo, tínhamos bola

sábado, 21 de abril de 2012


BURACOS  NA  ALMA

Você me julga, você me joga
Como carta fora do baralho
Você me esnoba, você me esconde
Entre seu pé e o assoalho

Você é infeliz, não sabe amar
Quando muito, me desenha, um carinho escrito à giz
Que qualquer lágrima apaga

Você me congela, você me isola
Um olhar frio a queimar a pele
Você me hostiliza, você me evita
Me rotula ao que te parece


Desculpe a escrita rancorosa, feita a sangue
Pessoas não tem dimensão da maldade
Usam de palavras afiadas tal crianças brincam com facas
Seus gestos sacam armas....buracos na alma.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

GARDÊNIA

Uma gardênia levantou-se em meu jardim
Imponente, plantada pela mão esquerda de Deus
Transparente, leito de milhões de raios de sol
Que vinham dementes, iluminar a alva pétala

Sinto que um mal tempo encontrou o seu fim
Nas exaustas nuvens negras que se arrastavam
E rodeavam meu horizonte bordado em cetim
Sem a devida coragem elas disfarçavam...

Uma matilha com brilhantes caninos
Fez crescer um medo de tempos de menino
O que acontece nas noites mais escuras?
De quanta fé é a palavra que afirma mas não jura?

Sei que há muita terra entre as águas salgadas
Como sei quase tudo sobre não sabermos nada
E bebo só da fonte da nascente que há em mim
E bebo sorridente, brancos dentes de marfim

E entre devaneios há os ventos que semeiam
Várias vidas na pata direita de um bem-te-vi
Certamente plantada pela mão esquerda de Deus
Que fita orgulhoso a tua gardênia que no chão sorri

segunda-feira, 26 de março de 2012


VIDA SEM ENSAIO

Essa coisa da vida não ter ensaio
é um perigo,
um atentado contra o futuro.
Perdi de súbito o amor,
me levaram o humor,
tudo do dia pra noite.
Nem pude dar queixa.
Isso assim me deixa
sem tanta esperança,
mas ela é brasa...

O que eu quero apenas é lhe dizer,
com seu rosto entre minhas mãos,
que uma vida é pouco pra viver contigo,
décadas são poucos dias ao seu lado.
E sou teu amigo. Isso é mais!

Essa coisa da vida não ter ensaio
é um castigo,
te arrasta à caminhos distintos,
longos e sem tempo previsto,
pra voltar e remediar...
Ah, quem, dera pudéssemos consertar
o passo dado e a palavra expelida...
roupa manchada nunca cai bem.

domingo, 25 de março de 2012


FLORATTA  IN  BLUE

Sentado à pose de Rodin e muito menos emblemático,
sou apenas um homem com memórias, vastas.
No labirinto incrustado dentro do baú
de lembranças colecionadas ou não, há tantas.
Imagens de lábios, rabiscos de olhos salpicados de azul,
outrora castanho, as imagens são múltiplas e sem tamanho.
Campos e bangalôs, ondas, areia branca,
cheiro de chá que é de camomila
ou um livro que breve se termina,
deliciosamente novo, em folha.
Me lembro agora de minha atenção
algumas vezes seqüestradas pelas ‘damas da noite’,
aqui mesmo na vizinhança, rápido crime que perdôo.
E muito prazeres mais guardados nos compartimentos mentais,
auditivos, olfativos... Um se sobressai ligeiramente,
me embriaga de outras tão boas memórias.
O olfato me privilegiou um dia e tenho a grata lembrança
do entorpecimento e teu doce veneno me invadiu pelas narinas.
Confortavelmente anestesiado, talvez,
ante a química da alva pele recebendo a Floratta,
depois disso mais nada.
É ver o mundo parar por um instante
quando essa água das flores na sua pele é sorvida,
inexplicavelmente sedante.

sábado, 17 de março de 2012

BARRACÃO  DE  ZINCO

Imaginem que dentro daquele barracão de zinco
Existe uma mulher (e existe mesmo) solitária.
Solitária de muitas coisas que não convém
Começar a dizer.

Ela mexe um pedaço de pau dentro da panela torta
Nas poucas coisas que há pra mexer
Enquanto observa com o rabo do olho
Sua saia feita de crianças (ao que lembra, todas são dela).

Também há um cachorro sem raça e sem nome
Que vagueia por entre as tábuas, apenas ilustra a cena
Seco como o agreste, e o coração da mulher pequena
Que existe com o cachorro no meio da cena urbana
(e existe mesmo)

terça-feira, 13 de março de 2012


UM  CAFEZINHO...

Eu estava próximo do balcão onde pedimos diversos,
onde amostras de massas tantas, sedutoras, nos extraem saliva.
A padaria.
Tem um comércio desses, de delícias diversas
na esquina da minha casa,
padarias daquelas que se impõem e ostentam o nome do bairro,
como que oficiais.
Meu guarda-chuva em punho, incômodo, ali comigo esperava,
frente ao balcão, cárcere de delícias.
A funcionária, dentro de seu uniforme vermelho e branco,
passou levemente,
e ao senhor que estava do meu lado perguntou: ‘Quer um cafezinho?’
Ao que o mesmo respondeu afirmativamente.
Hum, naquela tarde chuvosa cairia bem, mesmo naquela movimentação,
naquele entra e sai, um cafezinho...
e aquele senhor devia ser conhecido da funcionária,
ou ela ofereceria à mim também, um quem sabe fresco cafezinho...
Qualquer um aceitaria, imagino então aquele que avisto na avenida lá fora,
indiferente a chuva e protagonista da tarde, eis o catador de trecos,
imagine um caricato catador e adicione cinco amigos caninos, inseparáveis.
Esse protagonista da avenida abriria um sorriso para um bom cafezinho...
Bom, a balconista pescou minha atenção
e pedi à ela então o famoso pãozinho
que nunca foi francês, mas tava quentinho,
esperando encontrar em casa o que cheira longe, um cafezinho.

domingo, 11 de março de 2012


TE VER DE VERDADE

Quero te conhecer melhor, te peço,
em outro lugar, que não aqui entre tantos kbytes.
Quero troca de olhares, quero adivinhar expressões,
e acompanhar o movimento dos lábios,
como as letras passam em cada sulco de lábio.
E até mesmo como o vento mexe teus cabelos,
pedindo licença, imagino uma valsa lenta.
E sentir a textura da sua pele,
e saber se ela queima.
E saber tanto de pouco tempo. 
Ver como se guarda na roupa,
e como os pés te levam e te trazem,
e como é a graciosidade ao vivo
daquilo que me chega em palavras,
quero te ver de verdade.

As possíveis oscilações da sua voz
conforme o assunto.
Se teu humor é agridoce e se o amor,
talvez seja palpável.

Ansioso que sou também quero me ver,
e me sentir com tua influência,
assim tomar ciência do que me espreita,
se há suspeita, e há,
de perder as únicas cópias ou não,
das chaves do meu coração