domingo, 30 de setembro de 2012


KELLY  AMARELA

Kelly Amarela nunca mais me ligou.
Bem na verdade ela nunca o fez.
Meu lamento de muitos anos,
Ilhados anos. Seu cabelo amarelo
Ainda brilha na minha memória,
sempre adornando o conjunto da escola,
sempre um sorriso perfeito. Dentes muito alvos.
Gostaria de encontra-los nem
que fosse num caminho de cobre,
em cima do poste, num satélite qualquer.
O que importa? Podia ser na padaria
onde a gente comprava chiclete
e vendia infância aos quatro ventos.
Uniforme azul, manchas de suco.
Quero saber é o que ela faz desde a 4ª série.
Se ela toca um instrumento ou pedala no domingo,
se lembra da professora Marisa
ou guarda sapos de pelúcia,
se casou na igreja ou amasiou-se,
se respira...
Kelly Banana minha amiga,
tão próxima já foi.
Kelly Aparecida na chamada de aula.
Hoje não sei seu número, nenhum deles.
Sabia que ela estaria no Santaninha bem cedinho,
na carteira do lado, sem nenhum espaço.
Em que página da vida você ficou?
Pó de giz na mochila, lápis apontado
em tantas voltas dentro daquele cabelo armado, amarelo,
milhares de túneis sem volta,
milhares de mãos que disseram adeus.
Lembra do Michel e da Rosária?
Eu não. Preciso esquecer pra seguir em frente inteiro.
O gosto da merenda é que não muda,
aquela sopa ainda vive nos arredores de minha língua,
ainda me afoga de saliva. Mas você, Kelly Banana,
às vezes me mata de saudade, das letras tortas, ébrias,
que se encontraram num caderno
e se deitaram na eternidade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


ZEPELIM DE CHUMBO

Os homens arranham a primavera
com o espinho das flores e,
atravessando a seu modo tempos bons, tempos ruins
e o marasmo, eles constroem a batalha de sempre.
Destroem sem piedade,
os templos sagrados de sua confiança.
Corpo atordoado e confuso aprisionando a alma pequena,
eles ouvem mas não distinguem sons
pois o  colapso na comunicação se fez.

Quatro homens sobem a escada para o céu
entoando a ‘Canção do Imigrante’.
Apesar da fraqueza de suas vozes,
a canção continua a mesma.
Suas mulheres já foram despedaçadora de corações
mas o amor era nobre, mesmo de cobre,
era um bocado de amor. 
O choro galopante dessas coitadas
doía e pesava como um zepelim de chumbo,
as dores do mundo as encaravam
como a noite vestida de cachorro preto.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


VELHA NOVIDADE

Sobre o amor, tudo já foi escrito.
Qualquer linha que eu tecer, será redundância.
Tudo já foi falado, já foi ouvido.
Quais são as novas desse tema?
Desse milenar problema?
(problema que resolve muitas vidas)
Não! Não vou divagar o assunto batido!
É isso. Tudo já foi dito.
O amor já foi adornado de flores,
comparado à luas e passarinhos,
já foi tese, vermelho, já foi mil motivos.
Aborreceu-me folheá-lo nos livros.
O tal amor.
Foi, é nesse momento, será.
Um velho conhecido, fóssil, por assim dizer,
uma árvore já carregada demais de adjetivos.
Não vou acrescentar bobices. É deveras chato.
Todos já provaram desse devaneio.
Mas... Você faz com que eu ache a última novidade.
Ao te ver, o amor é sempre a última palavra a ser dita.

sábado, 22 de setembro de 2012


SIMPLES COMO UM TOMATE

Gosto do gosto de tanta coisa,
do gostar de tudo um pouco também me abraça.
Do cheiro de terra molhada,
depois que a chuva visita uma praça, ou jardim qualquer.
E meu jardim tem rosa, arruda e tomate.

Me renova o sol da manhã no inverno,
e ficar sob ele até parecer que não tá frio,
até parecer que massageia os ossos...
os raios alcançam o que não alcança o inverno inteiro,
meu coração, minh’alma e o tomateiro.

Gosto do cheiro do meu molho
casado com o creme de leite,  sobre o macarrão,
com o queijo parmesão ralado na hora
em tiras longas, se espreguiçando entre a fumaça
com seus braços amarelos.

Gosto de pensar que a felicidade
é mesmo muito fácil, se planta
com a mão bem suja de terra e de perdão,
que a vida e os sorrisos são assim, sem outra forma que se relate,
simples, tão simples como um tomate.

domingo, 16 de setembro de 2012


INSÔNIA

O que faz as horas perambularem
Através do silêncio da noite?
Elas esperam...
E às vezes parecem sentar-se
À espreita de si mesmo
Eu estou aqui,
Na penumbra,
Abraçado por este sofá
De grandes braços castanhos
Tal qual um monarca
Introspectivo e vazio
Sinto-me até suspenso,
No meio de tudo, ao centro e avulso
Na palidez perpétua do momento.

domingo, 9 de setembro de 2012


TARDE  INSÓLITA

Entusiasmou-se ao dizer ir pra aula, cínico
E caminhou ligeiro com sorriso pândego
Imaginou ser dos espertos o mais sábio
E a certeza de ganhar a tarde por seu mérito

Encontrou a turma e fez sinal em código
Gesticulou a façanha quase em mímica
Dizendo baixinho em tom de cântico
Que fariam da tarde um tempo vândalo

Trataram de tornar a arte válida
E da primeira parte já era virada a página
O álcool se apresentou como rainha líquida
 E todos concordaram na viagem úmida

Chegaram ao destino como sombras trôpegas
Com a alma aprisionada nestes corpos mórbidos
Mas valiam-se da adrenalina para o fôlego
E abriu-se a represa como se chutassem a válvula

Avistou-se a pedra que lançaria os movimentos flácidos
Rumo ao espelho d’água de um escuro pálido
Só cessaram quando o primeiro tornou-se vítima
E retornou do fundo imóvel após chocar-se ao sólido...

Entusiasmou-se ao dizer ir pra aula, cínico
E caminhou ligeiro com sorriso pândego
Imaginou ser dos espertos o mais sábio
E retornou do fundo imóvel após chocar-se ao sólido...