terça-feira, 3 de maio de 2011

CONVERSA DAS MADEIRAS


Ao me deitar a noite,
na companhia de meu cansaço, ouço vários estalos,
às vezes mais altos que o radinho ao lado da cama
que me conduz ao sono (minha cama de casal tem quilômetros).
Desconfio ser o som das madeiras da estante,
do armário, da cômoda.
Sempre no mesmo horário toca “I Have a Dream”, do ABBA e,
há sempre uma percussão adicional de estalos,
eles me apreendem e olho para minha cama
como para o deserto do Saara, infinito.
E divido minha atenção com a música,
a cantora diz acreditar em anjos mas não endosso.
Há uma pausa nos barulhos da casa.
A próxima canção do rádio não é tão bonita
e se perde no volume baixinho...
Mas os pequenos sons da noite se amplificam pela casa vazia
e dançam valsa com a solidão numa festa invisível mas,
que se faz discretamente audível.
Como pode nesta cidade de quatrocentos quilômetros quadrados,
haver um deserto maior dentro do meu quarto?
Me espera a chegada do sono no ritmo dos estalos,
como um brejo de sapos lenhosos e,
como não há ninguém nesta hora que fale minha língua,
vou escutando a conversa das madeiras.


2 comentários:

  1. Estala as madeiras, estala as lembranças, estala as saudades, estala o vazio dentro de nós, tão preenchido de nadas, e tão cheios de ausências.....(foi o que seu poema me fez lembrar)

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